A Europa face aos seus separatismos

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Passo a passo, os partidos independentistas vão internacionalizando as suas causas e, através de um obstinado ativismo diplomático, estão a deixar os governos e as forças políticas que apoiam as constituições vigentes nos seus países de braços cruzados, como meros espectadores de uma realidade para a qual parece não terem soluções. Longe vão os tempos em que os governos, à mais pequena suspeita de independentismo, mandavam logo avançar os seus exércitos para esmagar qualquer veleidade insurrecional.

Agora, os governos vivem com medo e resignados, quando não mesmo paralisados, face aos desafios independentistas. Assim se passa em Espanha, mais concretamente na Catalunha e no País Basco, e em França, na Córsega.

O objetivo dos separatistas corsos consiste, basicamente, no reconhecimento do còrsu (muito semelhante ao dialeto toscano medieval) como língua cooficial, na limitação à compra de propriedades na ilha por não residentes, na amnistia para os presos corsos por atos de terrorismo, na criação de um regime fiscal próprio e no reconhecimento constitucional do estatuto específico da Córsega.

A posição do presidente Emmanuel Macron é, para já, de recusa em rever a Constituição de França, a qual (revisão) poderia abrir o caminho ao reconhecimento de um povo e de uma nação corsa. Além isso, sendo os franceses, por norma, ferreamente apegados à estabilidade das suas instituições e ao seu glorioso passado, vê-se com dificuldade o seu próprio presidente deixar que se ponha em causa a terra natal de Napoleão Bonaparte.

No que diz respeito ao país vizinho, o seu presidente do governo, Mariano Rajoy, ao recusar a negociação do chamado estatuto da Catalunha e ao tratar como delinquentes Oriol Junqueras, Joaquim Forn, Jordi Sànchez, Jordi Cuixart, assim como Puigdemont, putativo presidente de uma Catalunha republicana, assumiu claramente uma estratégia de confrontação, por meio da qual preferiu antes trocar o diálogo pela intervenção na administração daquela região autónoma de Espanha.

Essa estratégia de confrontação uniu naturalmente as forças políticas separatistas bascas, que agora pretendem a consagração do "direito de decidir" e, como é óbvio, a consagração do direito de autodeterminação. E exigem ao Estado que assuma as obrigações de negociar e de acordar a revisão constitucional necessária para o efeito, a fim de que possa ser incluído o tal "direito a decidir". Ou seja: o direito de os cidadãos escolherem a estrutura política que os governa e o regime de relação a manter com o Estado central, e o direito de poder decidir o seu futuro, segundo a vontade da maioria dos seus pares.

Mas, em matéria de direitos, as exigências dos separatistas bascos não se quedam por aqui. Assim, querem ainda gozar do direito de administração da justiça, incluindo uma política penitenciária própria, e querem dispor de um supremo tribunal de justiça. Acresce a tudo isto a exigência do direito à propriedade dos recursos naturais e do património público existente no âmbito territorial da região autónoma e das respetivas infraestruturas, assim como o direito de participação de forma direta nos órgãos e instituições da União Europeia. Ou seja, querem dispor do direito de negociar e assinar tratados internacionais.

Convenhamos que os separatistas não são nada pobres a reivindicar. A coroa e o governo de Espanha têm pela frente dias muito difíceis. Independentemente da vontade mais ou menos centralizadora dos poderes instituídos, seja naquele país seja noutros onde os separatismos de vária ordem se instalaram e, com o tempo, se radicalizaram, tudo aponta para um inevitável crescimento das autonomias na Europa, com o furação da Catalunha a prometer um inelutável derrube das constituições e, quem sabe, da própria Europa como hoje a conhecemos.

Dantas Rodrigues sócio partner na Dantas Rodrigues & Associados

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