A estupidez da inacessibilidade
É comum atribuir-se ao físico alemão Albert Einstein a célebre frase "Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana". Contudo, se Einstein não teria a certeza em relação ao universo, eu não tenho a menor dúvida quanto à infinidade da estupidez humana. Não depois de passar pela Estação do Oriente, em Lisboa, e me deparar com um elevador inutilizável que tinha na porta um autocolante onde se lia "Estamos a poupar energia. Utilize as escadas". Ou, para bom entendedor, "Estamo-nos a borrifar para pessoas com mobilidade reduzida".
De facto, a acessibilidade é algo que pouco ou nada pensamos, mas deveria ser o oposto. Desde logo, por ser uma questão de empatia para com o próximo, em particular, para com pessoas com deficiência. Porém, todos passamos por situações de mobilidade reduzida temporária - em bebé, durante a gravidez, aquando de lesões ou períodos pós-operatórios e, claro, na velhice. Fora que os acidentes acontecem e, por isso, todos somos potenciais portadores de deficiência com mobilidade reduzida permanente.
Vale ainda lembrar que o princípio da igualdade é um direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa, tal como o dever de o Estado assumir o encargo da efetiva realização dos direitos dos cidadãos portadores de deficiência. Assim, esta deveria ser uma preocupação coletiva presente, mas, infelizmente, está longe de o ser.
A matéria de acessibilidade foi já objeto de regulação em dois momentos - 1997 e 2006 - e está atualmente a ser alvo de revisão por parte de um grupo de trabalho interministerial criado em agosto último. No entanto, até à data, na ausência de fiscalizações e sanções eficazes, a efetivação alargada destas normas técnicas continua por cumprir.
Neste âmbito, o poder local é determinante. Antes de mais, porque é aos municípios que, após a aprovação dos projetos e findas as obras, cabe a fiscalização do cumprimento da regulação normativa. Ademais, acresce a necessidade de as Câmaras Municipais avançarem com iniciativas que deveriam ser para ontem.
Melhorar a rede de transportes públicos para que o acesso ao metro ou autocarro não seja uma lotaria. Melhorar o planeamento urbanístico para que o mobiliário urbano não seja um risco, mas sim uma comodidade. Transformar antigas ruelas onde passam carros, mas mal passam pessoas, em zonas de coexistência niveladas. Todas são exemplos de diligências urgentes para que possamos cumprir algo que é basilar num Estado de direito democrático social que se preze: a inclusão plena de todas as pessoas na sociedade.
Noto ainda que, segundo as Projeções de População Residente 2018-2080 do Instituto Nacional de Estatística, a população portuguesa diminuirá 20,4% em pouco mais de 50 anos. Seremos, então, 8,2 milhões de pessoas, das quais 3 milhões - ou 36,7% - acima dos 65 anos. Dito isto, não serão estes argumentos suficientes para começarmos a pensar estruturalmente e integralmente na forma como desenhamos os nossos espaços públicos e privados?
Ao ter disponível um elevador que permite evitar uma série de lanços de escadas, por exemplo, uma pessoa sem deficiência ou qualquer limitação de mobilidade vê a sua deslocação tornar-se mais confortável. Desta forma, para esta pessoa, mais acessibilidade é sinónimo de maior conforto. Todavia, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida vivem confinadas graças à pandemia da inacessibilidade. Sejamos empáticos e deixemo-nos de estupidezes, pois para estes, mais acessibilidade não é um extra. É sinónimo de liberdade. É sinónimo de viver.
Mestre em Desenvolvimento Internacional e Políticas Públicas
Membro Fundador da All4Integrity