República Checa. Demos-lhes duas imperatrizes e recebemos um construtor de globos autoproclamado navegador, suspeito de mentiroso.Quando acabou a Checoslováquia (independente em 1918, com a extinção do Império Austro-Húngaro, durou só 75 anos) pela separação da Eslováquia, em 1993, os checos ficaram sem nome para a sua terra, acabando por chamar- -lhe República Checa. E afinal existe mesmo Chéquia, ou melhor Cechy, que quer dizer Boémia, em checo. A Boémia é a maior região do país, de que também fazem parte a Morávia e a zona dos Sudetas, junto à Alemanha..Os primeiros habitantes conhecidos do território foram uns povos celtas, os Bóios (por causa deles se chamou à região Boiohaemum, a terra dos Boémios), mas quem lá se instalou definitivamente a partir do séc. VI foi a tribo eslava dos checos. A forte presença de comunidades ciganas na Boémia e nos territórios vizinhos, sobretudo a Roménia e a Hungria, marcou, com a sua cultura nómada, os povos dessas regiões. A tal ponto de a designação "boémio" se ter tornado, com o tempo, sinónimo de "indivíduo que vive despreocupadamente; estúrdio; estroina; vadio (...) vagabundo", além de "natural ou habitante da Boémia" (Dicionário da Língua Portuguesa 2009, Porto Editora)..A distância e as circunstâncias fizeram com que ao longo dos séculos não tenha havido uma relação estreita entre Portugal e os países antepassados da actual República Checa. No entanto, é possível encontrar alguns laços históricos e protagonistas do relacionamento com os nossos adversários desta tarde, mesmo sem contar com o Menino Jesus de Praga, que tem muitos devotos em Portugal e cuja imagem original se encontra na Igreja de Nossa Senhora Vitoriosa, no Bairro Pequeno da capital checa..Em 1452, a infanta D. Leonor (1434-1467), filha do rei D. Duarte, casou-se em Roma com o imperador Frederico III (1415-1493), cerimónia celebrada pelo Papa Nicolau V e imortalizada num magnífico fresco de Pinturrichio, na capela Piccolomini da catedral de Siena, em Itália. A Boémia estava a ferro e fogo desde o início do séc. XV, com a revolta hussita, pregada pelo reformador João Huss, queimado vivo como herege em 1415. Os azares e a incompetência política e guerreira de Frederico III fizeram-no perder a região para um nobre hussita, Jorge Podebrady, que foi coroado rei da Boémia em 1458. Apesar disso, foi um filho da imperatriz portuguesa, o imperador Maximiliano I, quem, com uma política eficaz de alianças e casamentos, restaurou a primazia do Sacro Império Romano Germânico entre as potências da Europa. E foram os bisnetos de D. Leonor, Carlos V e Fernando I, que recuperaram a Boémia e a integraram nos domínios da dinastia de Habsburgo..Também graças ao casamento de D. Leonor e ao talento de diplomata do marquês de Valença, que acompanhou a imperatriz como chefe da comitiva enviada por D. Afonso V, gerou-se na Alemanha e nos outros domínios do Império grande curiosidade e interesse por Portugal. As notícias das navegações dos portugueses atraíram ao nosso país comerciantes mas também cartógrafos, cosmógrafos e impressores. Foi o caso de Martinho da Boémia (c. 1460--1507), nome aportuguesado de Martin Behaim, natural de Nuremberga, na Alemanha, mas, ao que parece, de origem checa..Chegado a Portugal cerca de 1484, no reinado de D. João II, Martinho da Boémia construiu, em 1492, um globo terrestre com uma referência à viagem de Diogo Cão, o descobridor de Angola e Congo. Essa menção veio a dar origem a uma acesa polémica entre historiadores portugueses e também estrangeiros, tendo-se chegado à conclusão de que o checo quis fazer--se passar pelo que não era: companheiro de viagem dos navegadores dos Descobrimentos..Em 1525, os checos tiveram uma nova imperatriz portuguesa. D. Isabel (1503-1539), filha de D. Manuel I, casou com o imperador Carlos V (1500-1558), o monarca europeu mais poderoso do seu tempo. Nos seus domínios, que iam da América às Filipinas, passando pela Espanha e pelo império alemão, o Sol nunca se punha. Embora tivesse nomeado o irmão mais novo, Fernando, governador da Boémia, manteve para si o título de imperador, de que só abdicou em 1555..Dos checos pouco mais se falou em Portugal nos séculos seguintes, até às andanças da Legião Checa na I Guerra Mundial e às suas reviravoltas na Guerra Civil russa (1918-1920), até entregarem o chefe do exército "branco", o almirante Kolchak, aos bolcheviques para ser fuzilado. Independente desde 1918, falou-se da Checoslováquia com emoção, primeiro por causa da invasão nazi, em 1938, e depois pela Primavera de Praga, sufocada pelos tanques soviéticos, faz agora 40 anos.