A Elsa está de volta
OE eis que chega finalmente a época do ano em que a Zambujeira do Mar se vê inundada por pessoas que chegam de todo o país. É o Sudoeste em todo o seu esplendor, o festival português que mais público consegue atrair mesmo que nem todos os visitantes ali se desloquem por causa da música. Este é, aliás, o período em que as economias locais, da Zambujeira do Mar e freguesias circundantes, conhecem um lucro que quase lhes vale para o resto do ano. É bom lembrar que muitos se aqueles que se deslocam para áreas contíguas (Sines, por exemplo) e por ali ficam até o Sudoeste ter início. Ou então, o contrário, isto é, há muitos "turistas" que posteriormente procuram fazer férias no Algarve ou Alentejo, apanhando a boleia deste evento.
Trata-se do maior festival nacional e aquele que mais mediatismo consegue adquirir mesmo quando o cartaz até nem apresenta nomes tão fortes quanto os que já mostrou no passado. De resto, é opinião generalizada que grande parte dos compradores de bilhete se desloca para aquela zona numa espécie de ritual que todos os anos marcam o início de Agosto. Em 2005, os dados apontavam para que 65 por cento do público se deslocasse ao Sudoeste pelo convívio e 35 por cento pela música Não se trata propriamente de uma surpresa nem sequer de um fenómeno exclusivamente nacional até porque recentemente um estudo revelou que grande parte dos festivaleiros britânicos que se deslocam a Glastonbury nem sequer conhece o nome das bandas.
Recordando um pouco a história já longa do Sudoeste, atendendo à realidade ainda recente dos festivais em Portugal, é fácil constatar que os dois primeiros anos foram fundamentais para impor mais do que um nome, uma realidade no mapa. É que muitos dos pais a quem os filhos pediam dinheiro para o bilhete e uma tenda emprestada para poderem acampar se viam confrontados com algo completamente novo e do qual tinham uma imagem de lama, sangue e álcool. Com o tempo e o papel fundamental da rádio, primeiro e depois da televisão, essa imagem desmistificou-se o que ajudou também a que o fenómeno se massificasse e o Sudoeste se impusesse como O festival em Portugal.
Foi em 1997 que a primeira edição aconteceu com Blur e Marilyn Manson como cabeças-de-cartaz. Nessa altura, eram apenas dois os palcos activos, não havendo sequer concertos em simultâneo. Tudo se processava a partir das 17.00 mas era a noite que a poeira levantava, o que aliás acabou por terminar quando o tapete do Sudoeste passou a revestir-se de relva. Mesmo sem a carga mítica de um Vilar de Mouros, o hábito começou a instalar-se e o aumento de público foi gradual até atingir o seu máximo no ano anterior. Mas voltando a 1997, importa recordar que nesta fase, eram apenas três os dias em que havia concertos, o que foi também alterado mais tarde para quatro dias. Resistindo à crise económica, muitos foram também os nomes de primeiro plano que actuaram no Sudoeste. A saber, Jamiroquai, Sean Paul, Placebo, Bem Harper ou Oasis, entre muitos outros.
O ano de 2005 trouxe outra das grandes novidades que o Sudoeste registou nos últimos tempos. A criação de um palco exclusivamente dedicado ao reggae, responsabilidade da produtora Positive Vibes que praticamente tem monopolizado o mercado de concertos de música jamaicana ou derivada desde 2004. O Sudoeste ganhou uma dimensão ainda maior de festival de Verão com uma sonoridade perfeitamente apropriada à época do ano em que se realiza. Por outro lado, o habitual espaço secundário composto apenas por bandas portuguesas passou também a receber convidados internacionais, com concertos em simultâneo com os outros palcos, o que, claro, aumentou a oferta em termos musicais.
Incontornável é também a referência à Elsa, que se tornou numa espécie de mascote do Sudoeste, após em 1998 alguém se ter perdido de uma suposta amiga com esse nome. O chamamento pegou e nessa mesma edição, poucos foram os que não chamaram pela Elsa. Passado algum tempo, a moda tinha pegado e até algumas campanhas publicitárias pegaram no slogan "Oh Elsa!". Era impossível, pois, que o Sudoeste não ficasse conotado com a Elsa, o que se mantém até hoje, aliás. E, por falar, em histórias o que dizer do bebé que nasceu em pleno Sudoeste ou da famosa cadeia de cachorros "Psicológico" que a partir da popularidade gerada na Herdade da Casa Branca, passaram a percorrer todo o itinerário de festivais.
Importa também referir que o Sudoeste (organizado pela Música No Coração) surgiu na esteira do Super Bock Super Rock que inaugurou a era dos festivais modernos em Portugal, em 1995. A escolha da Zambujeira do Mar surgiu pela necessidade de encontrar um espaço natural sem turismo de massas e também pelos movimentos migratórios que todos os povos europeus realizam durante o Verão. A imagem do concelho de Odemira ganhou uma outra dimensão sendo que até então apenas era lembrado devido à enorme lixeira e por ter a maior área territorial do país. Até 2006, o Sudoeste contou com o auxílio "indirecto" do festival espanhol Benicassim que ao trazer a Espanha algumas das mais importantes bandas do mundo, reduzia em muito os custos com viagens. 2006 e 2007 conseguiram, para já, resolver esse problema para o Sudoeste.
O cartaz deste ano. Na edição 2007 do Sudoeste, Manu Chao é provavelmente o nome que mais festivaleiros pode atrair. O estilo frenético da sua música cai que nem ginjas no ambiente lúdico que todos aqueles que migram para a Zambujeira do Mar nesta altura do ano procuram. Manu Chao canta a revolução, fala de marijuana, de cocaína e de álcool mas quase sempre com um sorriso nos lábios e acompanhado por uma numerosa banda que muitas vezes se mantém em palco após a saída de cena do líder. Como acicate maior, a apresentação de um novo álbum Rainin' In Paradize do qual já se pode ouvir o tema-título. Basta recordar as duas passagens por Portugal deste francês que em tempos foi vocalista dos Mano Negra para se poder esperar um autêntico caos no primeiro dia do festival.
Igualmente importante é a estreia dos Cypress Hill em Portugal embora já numa fase de menor fulgor da sua carreira. Todavia, e em ano de algumas primeiras visitas ao nosso país, a presença destes gurus do hip hop na década de 90 reveste-se de um significado especial para todos aqueles que começaram a acompanhar este movimento antes de se tornar tão mediático quanto agora. Há muito que os Cypress Hill não dão notícias pelo que se pressupõe um alinhamento baseado em clássicos que muitos rappers idolatram e fazem questão de chamar a atenção.
Outra das presenças muito aguardadas é a dos The Streets, do incontornável Mike Skinner, um britânico requintado de sotaque cockney mas com um fascínio indelével pela música de rua. Desse cocktail de referências surgiu um novo estilo, marcadamente londrino a que se costuma chamar de grime. Enquanto líderes desta corrente, os The Streets podem não ter ainda a visibilidade de outros seus pares ligados ao hip hop mas têm conquistado o respeito de todos graças ao bom gosto de Skinner na escolha dos arranjos para cada tema.
No Sudoeste 2007, também há lugar para as guitarras e para o rock. No palco principal, The Cinematics e I'm From Barcelona ficam com a responsabilidade de cativarem o público com os respectivos álbuns de estreia. Também com apenas um disco gravado mas a solo, Albert Hammond Jr. (guitarrista dos Strokes) pode ser uma das grandes surpresas. Em plena digressão europeia, esperam-se ouvir temas compostos por si para Yours To Keep e, quem sabe, algum momento dos Strokes. O último dia do festival fecha com três bandas que prometem deixar a sua marca. Os Razorlight vêm pela primeira vez a Portugal, eles que foram uma das bandas mais elogiadas no último ano, graças a singles como América. De seguida, os franceses Phoenix mostram que nem toda a pop do seu país é necessariamente cantada na sua língua. Finalmente, os James dão por encerrado o Sudoeste 2007, numa altura em que estão de regresso ao activo com um best of, acrescido de dois inéditos. Por cá, sempre foram alvo de um culto generalizado que fez com que Saul Davies, um dos músicos, se mudasse para as imediações do Porto. O vocalista Tim Booth também já passou pelo Sudoeste há três anos, então para apresentar o seu único registo a solo.
Quem também deve agitar, e de que maneira, as hostes, é Damian Marley que carrega um apelido que chega para impor respeito ou não fosse filho da lenda do reggae Bob Marley. Ainda assim, e ao contrário de parte dos seus irmãos, que se tem limitado a recriar a obra do pai e a explorar o que já está feito, Damian preferiu apostar num estilo muito próprio que passa pela integração de elementos ligados ao dancehall e ao hip hop sem nunca trair as raízes jamaicanas do reggae. Claro que entre as canções que se vão poder ouvir, não deve faltar Could You Be Loved do pai Bob.
Entre os portugueses que irão actuar no palco principal do Sudoeste 2007, Sérgio Godinho, Sam The Kid e Buraka Som Sistema terão a oportunidade de provar porque razões tocam ao lado dos nomes mais importantes do festival. Para o primeiro, este é o regresso a um palco que bem conhece depois de ter assegurado a transição entre o dia e a noite no primeiro dia da edição histórica de 1998.
Depois, há ainda os nomes de Gilberto Gil, Ojos de Brujo, Mayra Andrade, Cassius, Just Jack, Outlandish, Armandinho, Soulbizness, Groove Armada, Air Traffic, Australian Pink Floyd e Babylon Circus previstos para o palco principal.
No Planeta Sudoeste, The Noisettes, Camera Obscura, Bonde do Role, Koop, Patrick Wolf, Sondre Lerche, Vanessa da Mata, Tiago Bettencourt, The National, Of Montreal, Trail of Dead e Tara Perdida são aqueles que à partida mais facilmente conseguirão afastar os presentes de outras distracções, sejam elas a praia ou a roda instalada no recinto.
Como é hábito nos últimos anos, o reggae invade o Sudoeste com o palco Positive Vibes, da responsabilidade da produtora com o mesmo nome e que, nesta edição aposta em nomes como Saian Supa Crew, Yellowman e Steel Pulse para concentrar todos os fãs da música jamaicana no espaço que normalmente fica colocado perto da entrada no recinto.
Em 2005, os dados apontavam para que 65 por cento do público se deslocasse ao Sudoeste pelo convívio e 35 por cento pela música.