A ecologia radical poupa-nos ao populismo
"Então expliquem-me lá porque é que em Portugal não há populismo?" Depois de ter passado duas horas a responder a perguntas e a debitar teorias na sua conferência, esta foi a primeira pergunta que Fareed Zakaria fez aos jornalistas portugueses que a organização convidara para jantar com ele numa das noites em que esteve em Cascais para participar nas Conferências do Estoril. É a pergunta que muitos outros estrangeiros já fizeram. Alguns sem nenhum conhecimento de Portugal, mas muitos com algum - e nem esses percebem que continuemos a leste do paraíso.
Aliás, nem nós, porque as respostas da mesa foram díspares e muitas contraditórias, colocando um sorriso irónico na face seráfica do jornalista da CNN habituado a entrevistas difíceis. "Não há imigração!", disse-se de um lado da mesa. "Claro que há imigração - a questão é a direita ser civilizada e ter receio de parecer salazarista", ripostou o outro. Certo, certo, ninguém consegue explicar porque, para usar uma expressão que é nossa e que nunca fez tanto sentido, sobretudo no atual contexto europeu, continuamos a ser "jardim à beira-mar plantado".
No hábito - triste - que temos de nos desvalorizar, procurámos encontrar respostas pela negativa à pergunta de Fareed. Talvez devêssemos fazer o contrário. Saber o que temos de tão interessante e que case study podemos ser. Como identificar as razões portuguesas do insucesso dos extremismos - tanto os de direita, tão em voga por essa Europa fora, como os de esquerda, que já estiveram mais mas ainda têm algumas ramificações modernas. Nem Vox nem Podemos. E nem vale a pena comparar a postura institucionalista do Bloco de Esquerda.
Por oposição a problemas que de facto não temos, podemos deleitar-nos com os que temos. Por exemplo, uma grande abstenção - um partido maior do que todos os outros juntos e com o qual ninguém sabe o que fazer ou do qual ninguém sabe muito bem o que pensar. Entre o pensamento que se tornou positivo - ah, a abstenção canaliza o protesto, que assim não vai para movimentos mais perigosos - e a ideia, triste, de que já ninguém quer saber de política. Ora são os partidos que têm culpa, por não motivarem os eleitores, ora são os eleitores que não têm cultura democrática. Ou é a banalização do mal ou a omnipresença do bem - as pessoas tomam a estabilidade democrática por garantida. Há quem culpe os cadernos eleitorais. Outros, a pouca formação. Outros ainda, a muita informação. Ou é a corrupção, ou a falta de interesse.
O que é certo é que esse vazio aí está. Se vai ser preenchido por alguma coisa, não sabemos. Sabemos que ainda não foi completamente preenchido pelos novos partidos, embora estes tenham crescido. Como o PAN, que é, aliás, outro assunto de estudo e que torna Portugal diferente dos outros países europeus. Na Europa, os movimentos verdes cresceram, e cresceu sobretudo a importância dos assuntos ecológicos. Em Portugal, deu-nos para o radicalismo - fomos para o partido dos animais (desculpem, e das pessoas, versão melhorada), sem passar pela ecologia.
O PAN é um partido sobre o qual não se sabe muito - e a responsabilidade desse desconhecimento é tanto do próprio partido como do jornalismo (com tudo o que isto tem de mea culpa nesta matéria). Mas do pouco que sabemos e do muito que se disse nestes dias, depois de ter sido um fenómeno eleitoral, já percebemos que vai muito para lá da ecologia. Ou talvez fique aquém. E que no seu programa tem dogmas e noções anticientíficas - no que se aproxima de um certo populismo de ideias feitas e, como dizia o divulgador científico David Marçal, "agita as mentiras que a sua clientela eleitoral quer ouvir". Veremos até onde irá. Até porque, segundo o seu líder nos conta nesta semana, se continua "a desvalorizar o PAN".