A discussão pública do Plano de Recuperação e Resiliência terminou
Uma discussão que terá sido demasiado curta para que possa ser suficientemente ampla e para que possa ser verdadeiramente promotora de alternativas àquela que é a vontade de quem governa.
E não há nenhum mal em que se faça a vontade de quem governa, foi para isso que foram eleitos. Aquilo que não é bom é criar a expectativa aos portugueses de que serão responsáveis pelas escolhas feitas para a recuperação económica do nosso país quando na realidade isso não será verdade.
Também não é inteligente poder utilizar as ideias de todos os que estarão envolvidos nessa retoma e não tirar proveito disso.
O mais importante é que saia daqui um projeto que sirva verdadeiramente o futuro de Portugal.
Contudo, aquilo que lemos no projeto apresentado é muito mais um aproveitamento de dinheiros para pagar os prejuízos passados do que para projetar Portugal para um futuro melhor para os portugueses.
Já todos se deram conta de que o Estado resolveu ficar com dois terços do valor da bazuca, deixando apenas um terço para as empresas, que são quem representa a grande capacidade criativa para a economia do nosso país.
E isto acontece porque o Estado tem medo de apostar num ganho futuro resultante de um maior desenvolvimento das nossas estruturas produtivas, que lhe assegurariam um muito maior rendimento através do aumento da produção de riqueza, escolhendo garantir, desde já, o suficiente para cobrir os seus custos de passado.
É também o medo que leva o Estado a decidir atribuir um valor muito reduzido à capitalização das empresas, fator essencial à sua capacidade de desenvolvimento e que tem sido sempre o seu principal fator de incapacidade para crescer e ganhar novos mercados. Acresce a tudo isto que o mesmo Estado que assim toma decisões resolveu entregar a atribuição de verbas através da discricionariedade do banco de fomento - que até hoje ninguém sabe como funcionará.
Por outro lado, com base na mesma preocupação de resolver os seus problemas de custo de funcionamento, cativou para si dois terços do valor do investimento na "digitalização" do Estado, mas nada refere quanto à desejável diminuição do número de funcionários públicos que resultará desse processo.
Ora, todos sabemos que a digitalização é instrumental. Serve essencialmente para obter um aumento significativo da eficiência dos processos e facilitar a vida dos contribuintes, implicando a diminuição da intervenção do fator humano e levando à redução da despesa com pessoal (que na administração pública central, em 2021, ascende a 18,7 mil milhões). "Digitalizar" o Estado tem de ser um investimento reprodutivo e não uma mera troca de equipamentos e redes importados.
Para além destes pontos mais evidentes, que nos levam a acreditar que o governo está mais preocupado em garantir a sua própria liquidez e que terá medo de se arriscar a verdadeiramente desenvolver a nossa economia, a falta de referência clara aos projetos de internacionalização e à criação de projetos ligados ao mar - o recurso que mais nos dá diferença competitiva - são claros indicadores da postura defensiva da nossa elite e confirmam a tendência de medo com que enfrentamos os nossos desafios.
Portugal poderia ter, com as verbas disponíveis neste programa de recuperação, uma oportunidade única de se tornar um país desenvolvido, com competências de intervenção em novos mercados, com a criação de empresas mais fortes e resilientes que conquistem lugares de destaque para a economia do nosso país.
De tornar a vida dos portugueses numa vida digna, com crescimento e de qualidade. De criar nos portugueses de novo um orgulho em participar nas decisões que determinam o caminho do mundo podendo beneficiar dos seus resultados. De fazer verdadeiramente a diferença.
Desiludam-se os otimistas. Com este plano que aí vem vence, mais uma vez, a falta de ambição e de visão. E perdem - inexoravelmente - os portugueses que defendem a adequação do Estado às necessidades das pessoas e não a submissão das pessoas às necessidades do Estado.