A diferença entre Liang Zhan e Paulo Futre

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São 14 os rostos que a máquina do Gerardo Santos captou, para a foto que abre a reportagem de capa desta revista, na página 40. Catorze rostos de olhos em bico que pertencem a 14 dos jogadores chineses que vieram para Portugal aprender a jogar futebol a sério e cuja história o Ricardo Rodrigues conta. Dos 14, apenas dois não foram captados com um sorriso de orelha a orelha nesta foto. Coincidência? Fruto da casualidade de um instante fatal? Não me parece. Estes jovens estão todos contentíssimos por estar a treinar em Portugal, ninho de Ronaldos e Nanis que eles conhecem bem e cobiçam passes e fortuna.

Estes 14 rapazes são apenas a ponta do iceberg desta história - são 41 os que estão em Portugal desde dezembro, num protocolo idealizado pelo empresário chinês sediado em Lisboa, Liang Zhan, e que teve logo o apoio da Federação Chinesa de Futebol, ansiosa por tornar o futebol mais do que a mera «piada nacional» que hoje é, como diz um dos rapazes. O futebol é uma das únicas coisas em que o Império do Meio não dá cartas. É verdade, os chineses chegaram também ao futebol. Já não é apenas na eletricidade e nas lojas de quinquilharia.

Sim, é o que estão a pensar: esta história é o sonho de Paulo Futre, mas ao contrário. Paulo Futre tinha como ideia trazer «o melhor jogador chinês» para conquistar o mercado potencial de um país de 1,34 mil milhões de habitantes. Nada de muito novo, aliás, foi o que fez a NBA quando quis expandir-se para além das fronteiras americanas, o que fez também o Manchester United, que tem uma página escrita em chinês na net, e o que fez mais recentemente o brasileiro Corinthians, quando contratou Chen Zhizhao. Futre não fez mais do que estar atento à realidade cosmopolita do desporto.

Neste caso, é o futebol chinês que está a aproveitar-se das potencialidades do português. Os jovens jogadores vieram para aprender, fiados em que pode transmitir-se os pós de talento que transformam tantos dos nossos jogadores em estrelas. Portugal é provavelmente mais conhecido na China pelo seu futebol do que a China é conhecida em Portugal pelo que quer que seja - exceto, talvez, o básico Made in debaixo de todos os nossos objetos de uso corrente.

A verdade é que a ideia de Futre ficou na gaveta. Há dois jogadores chineses profissionais a jogar em Portugal, Zhang, no Beira Mar, e Wang Gang, no Sporting da Covilhã. Mas nenhum deles cumpriu o sonho do sportinguista. Muito menos no Sporting, que, aliás, continua a afundar-se na tabela.

O empresário chinês Zhan não tinha ouvido falar da ideia de Futre quando apresentou a sua ao ministro da Economia chinês, durante a visita a Portugal do presidente Hu Jintao. Pareceu-lhe que o futebol era um bom ponto de contacto numa relação que determina a história da sua vida - ele viveu em Hangzhou, na província de Zhejiang, até à idade adulta, quando veio tentar a sua sorte a Portugal e se tornou um empresário de sucesso. E a sua ideia concretizou-se. Estão cá os 41 jogadores chineses. O protocolo, pragmático, entre a FPF e a federação chinesa está feito. E ainda, no lastro de tudo isto, estes contratos deram meios aos pequenos clubes sempre aflitos de finanças, que estão a dar apoio aos jovens jogadores chineses em formação. Como dizia o líder da Liga Chinesa em Portugal, um chinês quando faz negócio pensa sempre no que o outro vai ganhar com isso. Já um português, nem tanto. E não é preciso ser adivinho para saber quem mais perde.

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