O que podemos esperar da democracia no presente século? Que mudanças à escala global mais podem afectar a democracia? Sabemos que o número de países governados em democracia aumentou ao longo do último quartel do século XX, estagnando a partir da viragem do milénio. Será que o populismo está a pôr em risco essa evolução? Podemos ser optimistas? Não sabemos as respostas, mas cada um de nós saberá o que fazer e isso importa..Neste século XXI, intensifica-se a globalização e a correspondente maior exposição das sociedades e dos indivíduos ao mundo exterior. Paralelamente, o ritmo de circulação das notícias e a atenção dada a acontecimentos nacionais tem aumentado à escala global. O mundo está mais pequeno e mais próximo. O século XXI é também diferente por causa das alterações que a tecnologia trouxe quanto à produção e divulgação de informação. É o século das redes sociais de conteúdos manipuláveis..Perante estas mudanças, num número crescente de países foram eleitos presidentes e primeiros-ministros populistas, na maior parte de direita. Não podemos saber se a tendência continuará ou quando se inverterá. Podemos todavia saber como agir perante tal adversidade..A democracia, tal como a conhecemos, com pouco mais de dois séculos, já teve de enfrentar importantes desafios que até hoje conseguiu ultrapassar. Na Europa, no século XIX, o principal desafio foi o de conseguir sobreviver à universalização do sufrágio (masculino). Muitos foram os medos mas os efeitos foram globalmente positivos. Em 1914, nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, a Europa estava dividida entre regimes parlamentares de sufrágio alargado, a ocidente, e três impérios autocráticos (Prússia, Áustria e Rússia). A guerra foi ganha pelas democracias - embora apenas temporariamente. No século XX, ainda na Europa, a democracia sofreu ataques dos regimes totalitários e ditatoriais. Mas, mais uma vez, depois de um elevado custo em vidas humanas, a democracia venceu novamente..Para perceber as vitórias da democracia em 1918, 1945 ou 1989, cingindo-nos mais uma vez à Europa, temos de compreender as sociedades ou os seus grandes líderes. Em democracia, os líderes têm de seguir as pessoas de cujo voto dependem e por isso os verdadeiramente "grandes" são os eleitores. Assim, podemos observar estes através daqueles..Os grandes líderes do século XX foram aqueles que não cederam um centímetro às promessas totalitárias, que souberam distinguir o bem do mal político. Churchill foi um desses homens, assim como De Gaulle, ao contrário daqueles que, no regime britânico ou francês, quiseram dialogar com Hitler - como se tal fosse possível. Durante a ocupação nazi, o governo da Dinamarca protegeu e depois ajudou à fuga dos judeus para a Suécia neutral, que os acolheu. O rei da Noruega recusou-se a pactuar com Hitler. Os reformistas da Europa de Leste foram grandes líderes que se opuseram à opressão soviética. Assim como em Portugal ou em Espanha houve líderes que não cederam aos ditadores e souberam manter a independência, o pensamento e, muitas vezes, a capacidade de acção. Foram esses que ficaram na história, não os que cederam..Para não ceder, é preciso seguir uma série de princípios difíceis de definir, já que são princípios pessoais, individuais, de cada um. Cada um sabe o que deve valer em política e o que deve ser defendido para que todos tenham direito à expressão de vontades, à manifestação de interesses..A democracia no século XXI sobreviverá graças ao grande número de pessoas que não deixarem de preservar a tradição democrática. Seria muito estranho se este século se viesse a mostrar radicalmente diferente dos anteriores..Sabendo isso, temos também de compreender que há outras preocupações que devemos ter, que passam pela definição dos regimes políticos, pela detecção dos interesses por trás dos movimentos políticos, e por grandes melhorias na forma como se tratam as notícias e a informação. E pelo reforço das instituições..As guerras, a fome, as crescentes desigualdades e o crescente afastamento entre perdedores e ganhadores da globalização são problemas que têm obrigatoriamente de ser identificados e ultrapassados. Como os séculos XIX e XX provaram sem equívocos, isso será alcançado sob democracia e não sob populismos enganadores, defensores de interesses escondidos, em suma, falsos..Economista. Escreve quinzenalmente e de acordo com a antiga ortografia