A cura da neymardependência

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Talvez não haja registo na literatura médica de uma depressão tão longa. Porém, na intensa relação de amor e ódio entre o brasileiro e a seleção, os efeitos de uma desilusão podem, sim, estender-se patologicamente por intermináveis quatro anos.

Principalmente se em vez de cura para as dores do "maracanaço" de 1950, o Brasil, novamente como anfitrião de um Mundial, viu em 2014 abrir-se uma outra e ainda mais profunda fratura, exposta ao mundo sem decoro e piedade pela Alemanha.

Quatro anos depois, o brasileiro volta a vestir a desbotada camisola verde e amarela da seleção, nem tanto como a indumentária do décimo segundo jogador, mas como ataduras a cobrirem as chagas que carrega no corpo e na alma.

A desconfiança, porém, timidamente cede espaço ao otimismo, na medida em que, jogo após o jogo, o Brasil vê-se livre de um traço de personalidade que, no último Mundial, foi ao mesmo tempo sintoma de força e debilidade: a neymardependência.

Neymar segue prescrito como receita para as dores do futebol brasileiro, mas a dependência do jogador diminuiu de proporções desde 2014. Não pela redução do princípio ativo do atacante, e sim patrocinada pelo aumento da dosimetria de outros componentes.

Basta ler a bula: o nome fantasia do Brasil ainda é Neymar, mas a equipa que chega a Rússia também apresenta na composição vitaminas, como Gabriel Jesus e Philippe Coutinho, além de William, o antigo William, só que revigorado.

O remédio contra a neymardependência foi testado em março. Enquanto Neymar recuperava de uma fissura no quinto metatarso do pé direito, o Brasil vencia os amistosos contra a futura anfitriã do Mundial, a Rússia (3-0), e o seu último algoz, a Alemanha (1-0).

Neymar faria falta, claro, não apenas ao Brasil mas em qualquer equipa do mundo, porém o impacto de uma suposta ausência não seria o mesmo de 2014, quando provocou um curto-circuito tanto no sistema tático da seleção como no sistema nervoso dos adeptos.

E a sensação de não ser apenas um corpo inerte, ligado a fios ao atacante, é alentadora.

Portugal viveu experiência semelhante. Ainda é dependente de Cristiano Ronaldo - vide a estreia contra a Espanha -, mas sabe que pode encontrar no elenco alternativas para esta dependência, como quando não contou com o craque para ser campeão da Europa em 2016.

Se a seleção não é autossuficiente de Neymar, também pode respirar sem o auxílio de seus dribles e golos. Uma equipa com nova fórmula e poucas contraindicações. Quem sabe, a receita certa para aliviar as dores que afligiram os brasileiros há quatro anos.

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