A crise dos modelos internacionais

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A situação do desafio global em que nos encontramos, sem distinção das definições territoriais e políticas dos humanos, todas a enfrentar o ataque desordenado da ordem da vida, pela covid-19, vai alternando a definição e a função dos Estados, obrigados teoricamente a defender a paz geral, o direito internacional, os direitos humanos.

No fim da Segunda Guerra Mundial, a complexidade de redefinição do direito e da ordem evidenciou a questão específica da relação dos EUA, grande interventor na vitória sobre o nazismo, não eliminando, porém, o desacordo bipolar entre ocidentais e soviéticos. A unidade do método europeu ocidental viria a integrar-se com os EUA, este dirigido por homens que foram popularmente apelidados de Cisnes Brancos, nem o tecido da unidade tinha alguma complexidade.

Foi por isso que o famoso Raymond Aron deixou esta observação: "Para fazer uma melhor análise das relações entre a Europa Ocidental e os EUA é necessário considerar sucessivamente os diálogos entre Roma e Washington, Londres e Washington, Paris e Washington, cada um deles diferindo do outro. Mais precisamente, é desejável separar dois problemas: a) as atitudes do Governo americano em relação à Comunidade Europeia, ou, mais facilmente, os esforços para com a unidade europeia; b) a atitude do Governo americano perante os diferentes governos europeus, em relação aos vários problemas postos. Não existe diálogo global entre a Europa como uma unidade e os Estados Unidos" (1977).

Briand, apesar dos sonhos e dos esforços, movendo-se antes do outono ocidental (1862-1932), mas procurando ganhar, ainda depois de sofrer o desastre de 1914-1918, não conseguiu realizar o seu projeto de garantia da vida habitual e pacífica. Aron já não poderia estar atento às lembranças de Churchill sobre as dificuldades que teve com a Cruz de Lorena, na paz com as intervenções de De Gaulle na circulação da França entre a Aliança Atlântica e a NATO, com relevo para a tentativa de limitar a posse de armas atómicas, um tema de que Kissinger (Dear Henry) se ocupou (1965).

A definição do bipolarismo que durou até à queda do Muro de Berlim não evitou que o projeto global da ONU fosse publicamente enfraquecido pela chamada "diplomacia de costumes", que prestou serviços. Todavia, a crise da pandemia que vivemos, tendo os EUA Trump como presidente, lembra os comentários de Aron, enfraquece claramente o atlantismo com o Brexit infeliz do Reino Unido e a Comissão Europeia a declarar a necessidade de organizar a defesa, talvez já adiando este projeto porque a segurança é globalmente exigida pela crise da pandemia.

Não surpreende que a dimensão da crise, obrigando à decadência económica, tornando de novo saliente o conhecimento de que a União tem uma clara diferença entre os países do sul mediterrânico empobrecido e os do norte rico dos bárbaros que destruíram o Império Romano, mas apontando para o apoio coletivo, solidário, sem esquecer as diferenças na unidade europeia, uma união que tem uma dimensão geográfica a enfrentar face à dos emergentes, mas uma ciência, uma cultura e um civismo que permitem não esquecer que nenhum dos países europeus tem capacidade de enfrentar, isolado, os desafios mundiais.

Os EUA vão levar mais tempo a compreender, se a presidência atual e a situação caótica do sul do continente se mantiverem, mas a decadência é possível se os avisos de Bismark forem esquecidos. O Brexit e os verbalismos do presidente dos EUA, que faz regressar os estudos esquecidos do Estado espetáculo, são exemplos que chamam à responsabilidade de defender e manter os modelos da União, sem perda, e que assim dão aos Estados europeus a capacidade de enfrentar a crise, num tempo em que nenhum Estado isolado terá capacidade para enfrentar e vencer a crise do globo sem o ordenamento da governança, nem à formulação do regulamento humano das migrações, lutando contra o ataque mundial da pandemia.

A leviandade de assumir que a política de solidariedade global enfraquece a valia e a realidade do Estado, designadamente quando se julga protegido por dois oceanos como se aos EUA fossem um modelo oferecido pela natureza, vai tornar a história gloriosa do país paralisado pela realidade que não se fadiga a estudar. Como disse à Presidência americana, em 1860, o chefe índio Seattle: "De uma coisa temos a certeza: a terra não pertence ao homem branco; o homem branco é que pertence à terra. Disso temos certeza... nosso Deus é o mesmo Deus. Podeis pensar hoje que somente vós O possuís, como desejais possuir a terra, mas não podeis." É uma grave leviandade recusar a solidariedade global.

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