A cretinice trágico-cósmica
Deve ser por causa do equilíbrio cósmico, ou coisa que o valha. A verdade é que, onde existam pessoas, existirá sempre um exemplar da cretinice humana. O local ideal para se testar esta teoria é o mundo do trabalho, onde se concentram milhares de pessoas com caracteres e objectivos diferentes e que respondem aos variados desafios de forma distinta.
A minha observação mais ou menos científica levou a que concluísse que a máxima «onde haja um conjunto de pessoas, haverá sempre um cretino» estava correcta. Outra das conclusões a que cheguei é que, sabendo à partida que existirá pelo menos um elemento perturbador da paz, torna-se fácil identificar quem serão os exemplares da cretinice humana. De entre as características que partilham entre si contam-se, por exemplo, a prontidão para o controlo do trabalho dos outros, o discreto ou indiscreto escutar de conversas privadas, o vilipêndio de colegas frente ao superior hierárquico, o recurso à bufaria e ao dar graxa como formas de ganhar favores e cretinices de igual gravidade.
Os cretinos podem estar em qualquer posição hierárquica. Não interessa o posto, mas sim o carácter. Ou a falta dele, bem dizendo. Uma das suas actividades favoritas é prejudicar os colegas de trabalho. Nada lhes dá mais prazer do que apequenar o seu semelhante, para que possam sentir um pouco menos a sua própria condição de pequenez. O cretino, como o próprio nome o indica, é parco em inteligência. Até poderá parecer ter alguma esperteza, a denominada chico-esperteza, mas no fundo, no fundo, é só bluff .
É certo que haverá espécimes desonestos que são bastante inteligentes. Chamemos-lhes escroques, para não confundir. Esses serão, porventura, os mais perigosos, por fazerem a coisa por prazer, mais do que por necessidade. Felizmente, são um pouco mais difíceis de encontrar. Infelizmente, são bem mais difíceis de identificar. Mas concentremo-nos apenas na arraia-miúda da calhordice. Aos exemplares pouco dotados de talento ou inteligência em qualquer área de conhecimento e que apenas conseguem progredir na vida pelo recurso à maledicência e a expedientes obscuros, chamar-lhes-emos pois de cretinos. A sua existência prolifera e o seu desenvolvimento é estimulado num ambiente de trabalho que seja dominado por uma chefia aberta à cretinice.
Os chefes que estimulam os seus cretinos de estimação perceberam que dá muito menos trabalho vigiar e punir do que liderar. Assim sendo, por preguiça, incompetência e alguma maldade (em suma, por serem também eles cretinos), fomentam a cretinice dos seus empregados para que possam estar sempre bem informados acerca dos que cumprem ou não cumprem os seus ditames, dos que questionam ou não questionam as suas decisões e dos que tenham natural perfil de líderes e que possam por isso vir a constituir ameaça à sua magnânime liderança.
No meio deste lodo, vivem os que pugnam por fazer o seu trabalho e não meter os outros em trabalhos. Em suma, os estóicos resistentes à calhordice, que acreditam que o mérito irá prevalecer. Em suma, as vítimas dos cretinos. É sabido que onde haja condições para a proliferação de cretinos, o mérito nunca conseguirá ser tido em grande conta.
Restará aos meritórios a virtude da espera. As boas notícias: o cretinismo é autofágico e irá inevitavelmente consumir-se a si próprio, pelo que o Bem sairá vencedor. As más notícias: é por pouco tempo. A máxima do início mantém-se. Quando um cretino sai de cena, logo estará um substituto pronto a tomar o seu lugar. A bem do raio do equilíbrio cósmico, ou coisa que o valha.