A costureirinha da Sé
A costureira começou a carreira a fazer calças no Cardoso da Saudade
Na infância costurava as roupas das bonecas. Na juventude fez o enxoval dos cinco filhos. Hoje possui um atelier com mais de quinhentas fantasias de Carnaval e ganha prémios de alta costura. Lurdes Vieira, 57 anos, é das cinco costureiras de Braga que conservam a arte de tornar as crianças na Jessica do Roger Rabbit, na Cruela dos 101 Dálmatas, em legionários na fronteira da Gália ou em damas da corte do século XIX. É assim há década e meia, no velhinho n.º 16 da Rua Gualdim Pais, contíguo à Sé.
As fantasias são requisitadas sobretudo pelas escolas locais, sejam crianças, docentes ou funcionários. Os colégios Luso-Inglês e D. Diogo de Sousa são os próximos da lista, pois pre- cisam de adereços para as festas de Halloween e de Natal. Em simultâneo, os grupos de teatro e promotores de feiras temáticas municipais (a romana, a medieval, a moderna) abordam periodicamente Lurdes Vieira. Animação de empresas ou de discotecas conta também com vestimentas costuradas pelas mãos de Lurdes.
O conjunto de fatos integra desde sóis a bolas de praia, de flores a tambores, do Tweety a dragões, de caracóis a elefantes, de ninjas a mimos, de venezianas à Branca de Neve, de hippies a deusas gregas. A adaptação a cada época é rigorosa e completa. O período medieval, por exemplo, junta vestes do povo, do clero, da nobreza e da corte. É possível encontrar o disfarce de pagem, de bobo, de arcebispo, de príncipe ou até de Inês de Castro. Quanto à caracterização de árabe, tanto pode ser um Rei Mago como num sósia do Bin Laden.
O mesmo se passa com os tamanhos das roupas, preparadas para apertar ou alargar nas laterais da cinta e do peito. Anjos não existem, "obriga a contratar alguém para saber como fazer os acessórios com rigor e ajudar a vestir e calçar as pessoas". Nos adornos, encontra-se igualmente calçado próprio, dezenas de peças para a cabeça (do elmo do gladiador ao chapéu de Robin Hood), os tridentes do Diabo, o cajado e cabaça do peregrino, diversos bigodes, coroas e cartolas.
Cada peça demora, em média, um dia a conceber, inspirada "em livros, revistas e filmes". É feita com materiais de qualidade, para não se deteriorar na lavagem, nomeadamente a lã, o veludo ou a napa. "Tem que se ter muita paciência e saber enquadrar os tecidos", diz. O aluguer individual oscila entre os 10 e os 50 euros. "Não vendo nada, nem que me dêem uma fortuna; dá-me mais gozo trabalhar para mim e conheço cada peça que fiz", realça a costureira. Geralmente, os clientes entregam a roupa "limpa e sem estragos".
Porém, desde 2002, as crianças têm reduzido a procura nos disfarces. "Preferem as máscaras e as roupas no supermercado; são mais baratas, mas frágeis e sem brilho", sustenta Lurdes Vieira. Ao invés, pedidos de adultos "são cada vez mais". No atelier trabalha também a sua irmã Elisa, por conta própria, embora ajude "quando é preciso" e faça companhia. "É uma arte solitária, às vezes as amigas vêm também cá conversar", acrescenta Lurdes. Será o chamado "corta e cose"? "Não falo da vida alheia, falo de mim e de assuntos da sociedade e actualidade", continua a profissional, que no início dos anos 90 lançou uma firma de confecção e teve 15 empregadas. Os pagamentos incumpridos dos clientes obrigaram-na a desistir da empreitada. Na adolescência, Lurdes Vieira esfoliou tecido na alfaiataria "Académica" e foi calceira no "Cardoso da Saudade".