Joyce Ntila Banda nasceu há 69 anos na Niassalândia, numa África que ainda não tinha despertado para a descolonização. A política foi a extensão natural para a sua atividade enquanto feminista e empreendedora. Foi deputada, ministra, vice-presidente e, na sequência da morte do presidente Bingu Mutharika, ascendeu em 2012 ao cargo da presidência do Malawi. O episódio demonstrou a dificuldade, em certos círculos, da aceitação de uma mulher nos cargos de poder..A morte do presidente não foi noticiada e alguns ministros reuniram-se, sem a presença da vice-presidente, com o objetivo de manobrarem para que a sucessão não ocorresse como a Constituição previa e, no lugar de Joyce Banda, elevarem ao cargo de chefe de Estado o irmão do falecido, Peter Mutharika. O mandato de Joyce Banda foi marcado pela revelação de um escândalo de corrupção que envolveu o governo, e que levou à exoneração do executivo, mas também pelo crescimento económico. Em 2014 perdeu as eleições para Peter Mutharika, recentemente reeleito..Além de dirigir a fundação com o seu nome, criada em 1997, Joyce Banda é membro do Club de Madrid, ONG que promove os valores democráticos. Nas Conferências do Estoril falou sobre a responsabilidade de mudar o mundo..O que a levou ao ativismo? O meu ativismo está relacionado com as experiências na minha vida. Por exemplo, a educação. Quando era jovem, o meu pai, que era polícia, levou-me da aldeia para poder enviar-me para a escola. A minha amiga, que era mais inteligente do que eu, completou a primária e depois só fez o primeiro período e não voltou à escola porque os pais não tinham seis dólares. Naquele momento, descobri a injustiça através de uma amiga que foi obrigada a abandonar a escola. Agora há 130 milhões de raparigas fora da escola a nível mundial. Isto é justo? Quando tinha 14 anos decidi que queria enviar o maior número possível de raparigas estudar. Ao longo destes anos [desde que criou a sua fundação], 6500 raparigas puderam ir à escola. Dirijo três escolas no Malawi e a educação é gratuita..Não foi só a educação que a levou a agir. A segunda área de ativismo é na saúde materna. Em 1984, quando dei à luz o meu quarto filho tive uma hemorragia pós-parto. Eu era muito ignorante sobre as questões de saúde materna. Quase morri nesse dia. Felizmente o meu marido foi procurar ajuda e um médico salvou-me a vida. Quando acordei, dois dias depois, toda a gente me perguntava: 'Como é que estás viva?' Fui ver as estatísticas e, no Malawi, 1200 mulheres morriam em trabalho de parto em cada cem mil. Para mim isso é inaceitável. Em Portugal, quando uma mulher engravida, é um período de alegria e de esperança. Até sabem qual o sexo do bebé. De onde venho a gravidez é um período de ansiedade. Por isso decidi dedicar-me ao assunto para mudar esta situação. Quando me tornei presidente envolvi-me com os líderes locais para que se mudasse a tradição e para aconselharem as grávidas a dirigirem-se a um centro de saúde quando entram em trabalho de parto. Em dois anos reduzimos a morte materna em 30%. A outra questão que me levou ao ativismo: tinha 21 anos quando me casei. Dez anos depois tomei consciência de que sofria abusos num país em que nos ensinam que se somos mulheres não devemos queixar-nos. É por isso que luto contra a violência de género e quando fui ministra de Género e da Criança, em 2006, advoguei a lei sobre a violência doméstica e sobre as crianças. Há casos de que nunca me esquecerei, como a de uma mulher grávida a que o marido cortou os braços porque ela recusava voltar para ele. A situação melhorou muito. E a quarta motivação está relacionada com a liderança. Olhando para trás e para África, como ex-líder, é chocante ver algumas coisas pelas quais as minhas colegas - e eu incluída - eleitas passamos. Ser eleita, ir para o Parlamento, estar onde as leis são produzidas, para termos impacto nas leis que afetam negativamente as mulheres.A lei sobre a violência doméstica é aplicada pelas autoridades policiais e judiciais? Se a pessoa tiver consciência dos seus direitos, se agir, os tribunais são justos para com as mulheres. O maior desafio que temos no Malawi, bem como noutros países africanos, é de integrar na sociedade as leis aprovadas. Mesmo que eu saiba que tenho o direito a viver em paz e que o meu marido não tem o direito de abusar de mim, não há polícia nem tribunais à minha volta, sou ignorante e não sei onde me dirigir para relatar a situação. Além disso as tradições e as crenças fazem-me parecer mal se apresentar queixa. O desafio é o acionamento da lei..O que pensa sobre a perseguição de albinos na véspera das eleições presidenciais, levando à suspeita de que pode ser um caso de feitiçaria em nome das elites políticas? Não penso, sinto-me horrorizada. É um problema enorme, não só do Malawi mas também de vários países naquela região africana, que partes do corpo de albinos dão um poder para vencer eleições. As crenças aparecem e desaparecem, o que me importa é a vontade política para enfrentar e punir os responsáveis. Temos de lutar contra estes criminosos que matam crianças inocentes..O Malawi, apesar de não ter estado em guerra ou de ter sido palco de um desastre natural, é um dos países mais pobres e frágeis do mundo. Como é que pode evoluir? Antes e acima de tudo, liderança e vontade política. Atacar os problemas, como a institucionalização da pobreza. Mudar as mentalidades para que as pessoas percebam que a mudança tem de começar por elas. E depois o governo tem de agir. Nos dois anos em que fui presidente a economia cresceu mais de 6%. O crescimento da população está em 3,3%, num país que tem um quinto do tamanho da Zâmbia e a mesma população. Em 2030 seremos 50 milhões, quando em 1992 éramos dez milhões. É uma bomba-relógio. Tem de haver políticas de controlo de natalidade e a pobreza causa esta explosão demográfica. Este é um exemplo em como se pode mudar se houver vontade política..A corrupção é uma mancha no Malawi, bem como noutros países africanos. Como é que os países desenvolvidos podem ajudar sem contribuir para a perpetuação das elites corruptas? Sabe uma coisa? Em 2001, um ministro do Malawi disse: 'somos todos corruptos, deixem-nos em paz.' Em 2006, o diretor do Ministério Público disse que perdemos 30% dos rendimentos devido à má gestão e corrupção. O nosso Orçamento do Estado depende em 40% dos doadores internacionais. Portanto, se deixarmos de ter esses 40% só iremos perder 10%, que podemos ir buscar a outro lado, o país é rico em recursos naturais. Mas parar a corrupção não é fácil. Culpo o Ocidente e culpo África, não é um problema só dos africanos, é um problema comum. Se eu fui presidente do Malawi, compro cinco casas em Portugal e não me perguntam de onde vem o dinheiro estão a dar o aval à corrupção. Há milhares de milhões de dólares que saem de África e não voltam. Para onde? Temos de combater este problema juntos e o Ocidente não deve encorajar os gananciosos a explorar a sua terra. Também me preocupa que, quando o dinheiro desviado do país é enviado para um banco suíço e mais tarde se descobre e se sinaliza, em vez de ser devolvido o mais depressa possível, porque é necessário, há relutância na devolução do dinheiro.