A corrida maluca ao supremo
No princípio era o Sérgio.
Moro foi convidado por Jair Bolsonaro para o ministério da justiça de forma a chancelar uma imagem de anticorrupção no governo.
E o governo bem precisava dessa chancela: afinal, em 28 anos como ocioso deputado, Bolsonaro mudara 350 vezes de assessores, num vaivém frenético, em que do dia para a noite colaboradores quadruplicavam os seus salários, conforme investigação do jornal Folha de S. Paulo.
Uma dessas assessoras até vendia açaí em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, e nunca esteve em Brasília.
No gabinete de Jair constavam, entretanto, os mesmos personagens da organização criminosa, chamada de "rachadinha", liderada pelo filho Flávio. Com a ajuda do testa de ferro Fabrício Queiroz, o hoje senador desviou por anos a fio o salário de funcionários do seu gabinete num esquema milionário.
A presença de Moro seria útil ainda para amenizar o escândalo das candidaturas femininas fantasmas protagonizado pelo ministro do turismo, Marcelo António, o caso da contribuição de campanha recebida por baixo da mesa do então titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, os processos por improbidade administrativa e crime ambiental do ministro do meio ambiente Ricardo Salles, e outros podres.
Para cumprir esse papel de avalista, a Moro foi oferecido, segundo o próprio Bolsonaro, uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), ápice da carreira jurídica.
Moro, entretanto, ao bater com a porta, sublinhou que o discurso do combate à corrupção do presidente era balela.
Mas a vaga no STF continuará, a partir de novembro, quando o mais velho dos seus membros se reforma.
Desde então, Bolsonaro vem acenando com ela a três juristas.
O primeiro candidato é Augusto Aras, o Procurador-Geral da República (PGR) que o presidente escolheu a dedo, ignorando as três sugestões dos seus pares.
Aras tem a seu cargo a apuração dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de justiça e corrupção passiva de que Bolsonaro é acusado no âmbito da suposta interferência na polícia federal.
Mas enquanto esse caso está parado, o PGR vem investigando a Operação Lava Jato, menina dos olhos do ex-ministro da justiça.
Satisfeito com o pupilo, Bolsonaro já disse "se aparecer uma vaga [no STF], o Augusto Aras entra forte".
O segundo candidato é André Mendonça, o substituto de Moro no ministério da justiça. "O nome do André [para o STF] terá muito apoio da minha parte", disse Bolsonaro.
Para justificar esse apoio, Mendonça, que é pastor presbiteriano nas horas vagas, pediu a um órgão sob sua tutela um dossiê com informações sobre 579 professores e polícias identificados como antifascistas - sim, ser antifascista não é muito bem visto no Bolsonaristão.
Antes, defendera oficialmente atos pro-Bolsonaro e pro-ditadura militar realizados à porta do Planalto - sim, ser a favor da ditadura é muito bem visto no Bolsonaristão.
O terceiro candidato é João Otávio de Noronha, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, degrau anterior ao STF.
"A minha relação com ele foi de amor à primeira vista", disse Bolsonaro.
O amor foi correspondido por Noronha: no início de julho, o juiz concedeu prisão domiciliar a Fabrício Queiroz, o tal testa de ferro de Flávio Bolsonaro, preso na casa do advogado do presidente.
Para Noronha, se Queiroz continuasse preso corria o risco de contrair Covid-19 na cadeia. O coração do juiz não foi tão amanteigado, no entanto, ao analisar outros 725 pedidos no mesmo sentido: recusou 700 deles, segundo apurou o portal G1.
Ou seja, uma vaga no principal tribunal da nação está ao preço de quem se demonstrar mais amigo de Bolsonaro. Com Moro fora do Grande Prémio, entraram Aras, na pista um, Mendonça, na pista dois, e Noronha, na pista três.
A corrida é tão escancarada que até um juiz da cidade de Formosa, estado de Goiás, se dispôs publicamente a participar.
Eduardo Cubas apresenta como credenciais ter nascido no mesmo dia de Bolsonaro e ter contraído Covid-19 na mesma semana do presidente. Na sua candidatura voluntária define-se também como "um soldado que busca um Brasil acima de tudo e Deus acima de todos", o slogan bolsonarista.
Como as coisas andam, tem hipóteses.
* em São Paulo