Uma estrela da K-pop vem a Lisboa e lá está Jin a fazer a tradução para o jornalista português. É preciso resumir o que diz a imprensa portuguesa para os diplomatas de Seul lerem e lá está Jin outra vez em campo. É preciso alguém no Museu do Oriente que dê um curso de hanji gongye (técnica de trabalhar papel) e de novo Jin é chamada. Aos 47 anos esta sul-coreana tornou-se uma verdadeira ponte entre Portugal e o país asiático, graças ao português excelente que fala mas também ao modo como se tornou uma síntese das duas culturas. Afinal, adora kimchi (couve fermentada), como todos os coreanos, mas é fã de bacalhau com natas..Jin Sun Lee usa o nome à portuguesa, mesmo que na Coreia o apelido familiar surja antes do nome próprio. "É mais fácil assim", diz, sorrindo. Quem já a conheceu, seja quando organiza o festival anual de K-pop em Portugal ou a Semana da Cultura Coreana, sabe que o sorriso é a sua imagem de marca, a par de um dinamismo que merece a esta funcionária da embaixada sul-coreana elogios de profissionalismo. "Considero-me uma pessoa dinâmica. Mas se calhar pareço muito ativa porque em Portugal o ritmo é mais calmo do que na Coreia", diz, sublinhando uma das diferenças entre os países, que ficam quase à mesma latitude em extremos opostos da Eurásia..Está casada com um português, José, que conheceu há mais de 20 anos, quase desde que chegou a Lisboa. "Fomos apresentados por um amigo comum coreano", conta. O marido, médico, já foi "umas quatro ou cinco vezes à Coreia", sabe algumas palavras da língua da mulher e em casa habituou-se à cozinha oriental. "Ele gosta muito", garante Jin..Pensou no Brasil, escolheu Portugal.A história de Jin antes da chegada a Portugal pode resumir-se assim: nasceu em 1969 em Gwangju, uma cidade que mais tarde ficaria conhecida por ter sido palco de uma violenta repressão militar contra manifestantes pacíficos, isto antes de a Coreia do Sul se democratizar. Aos 10 anos foi com a família para Seul, pois os pais queriam que tivesse a melhor educação possível, algo que é regra no país. Sempre gostou de aprender línguas e na universidade ia estudar Inglês até que um professor lhe disse que saber inglês era básico e devia acrescentar outra e porque não o português: inscreveu-se e de imediato passou a gostar da nova língua. Em 1992 esteve a trabalhar para a embaixada portuguesa em Seul e meses depois ganhou uma bolsa do Instituto Português do Oriente para estudar na Universidade de Lisboa.."Primeiro pensei ir para o Brasil estudar. Tinha um professor que era de Minas Gerais e também conhecia filhos de emigrantes coreanos no Brasil. Mas ao mesmo tempo tinha fascínio pela Europa e acabei por escolher Portugal", conta Jin. A atração pela Europa tinha muito que ver com a rádio que ouvia, que passava música do mundo. "Gostava da chanson, da música francesa. E também ouvia fado sem saber o que era. Lembro--me depois de ver a Dulce Pontes na TV", sublinha Jin, que confessa adorar fado. Recorda-se ainda de um dia, quando Amália foi a Seul para um concerto privado num hotel, conhecer a fadista e, desafiada pelo professor de português, cantar "Barco Negro à frente dela"..Dos estudos ao trabalho em Portugal foi um passo natural. Primeiro trabalhou para a Kotra, a agência de promoção das empresas coreanas. Em 1998, foi contratada para o pavilhão da Coreia do Sul na Expo. E, com naturalidade, recebeu uma proposta da embaixada em Lisboa, sendo contratada como funcionária local. "Ao princípio fazia de tudo, porque era a única que falava português. Hoje já não é assim. E desde 2010 trabalho na secção cultural." É uma tarefa muito preenchida, pois a embaixada é muito ativa, com eventos como a Semana Cultural, que vai da gastronomia ao cinema, o festival para fãs da cultura coreana ou o concurso de K-pop, um tremendo sucesso, que ainda há semanas encheu o Teatro Maria Matos com 500 pessoas a verem quem eram os jovens portugueses que disputavam um lugar na final na Coreia..Em Portugal, a comunidade coreana ronda as 200 pessoas. Há casais luso-coreanos e até crianças filhas de coreanos que de cultura são já muito portuguesas. "Duas vezes por ano ano fazemos um piquenique da comunidade. Tento sempre ir", afirma a funcionária da embaixada..Orgulho no sucesso da Coreia .Sente-se bem em Portugal mas tem grande orgulho na sua terra natal. "Admiro muito a Coreia. Partimos das cinzas, depois da guerra. E em poucas décadas ficámos uma potência tecnológica. E também uma democracia", nota. Gosta do pluralismo da sociedade,.até religioso, de os agnósticos como ela conviverem tão bem com os budistas e os cristãos, havendo na sua própria família de tudo. Mas hoje receia que se estejam a perder os valores tradicionais, a tal ética confucionista que muitas vezes é interpretada como a explicação para o êxito do país da Samsung, da LG e da Hyundai..Antes de começar a estudar português, Jin sabia de Portugal só aquilo que se aprendia na escola: "Vasco da Gama, Bartolomeu Dias, os grandes navegadores, e que era um país que ficava ao lado de Espanha." Também já tinha ouvido falar do Benfica e Eusébio, natural num povo que adora futebol. Hoje, Jin sente-se tão à vontade em Portugal que não está nos planos voltar a viver na Coreia.