Esteve na cimeira do clima em Glasgow e é um daqueles que olha para a COP26 e vê o copo meio cheio. Não foi um falhanço? Não, para mim a COP26 foi um ponto de inflexão. Nem tudo foi alcançado, nem todos os acordos foram tão ambiciosos como queríamos. Mas a verdadeira economia está agora à mesa. Porque os governos têm um papel importante ao estabelecer as estruturas, mas nós precisamos que as empresas mudem, precisamos que os investidores e os mercados de capitais tragam o dinheiro para apoiar essa mudança. E é isso que acho que nunca aconteceu de forma tão forte como desta vez. Em cimeiras anteriores eu via CEOs, mas normalmente voavam para lá, faziam um discurso, tinham um ou outro encontro, e depois iam-se embora. Agora os CEOs de algumas das maiores empresas do mundo ficaram quatro ou cinco dias, a participar em painéis, em diálogos... Falei com um que me disse: "Eu nunca tinha vindo a uma COP, eu não fazia ideia que era assim tão urgente, vou mudar toda a minha estratégia." Isso é muito positivo. E acho que o facto de se manter a meta do aquecimento global abaixo dos 1,5 graus é importante..E o que o desapontou? O que é desapontante é não ter havido um compromisso com o fundo dos cem mil milhões de dólares, pelo que estamos em risco de ainda ter esta divisão entre o mundo desenvolvido e o em desenvolvimento. E a maior preocupação que tenho é que havia 30 mil pessoas na cimeira, a maior parte delas a fazer o melhor para ser parte da conversa, e cem mil pessoas nas ruas de Glasgow a protestar. E quando falei com as pessoas que protestavam percebi que nós" queremos a mesma coisa. Mas não confiamos uns nos outros. As pessoas nas ruas estão com raiva, dizem que os governos não lideram, as empresas estão aqui só para fazerem greenwashing.....Qual é a sua resposta à acusação de que as empresas só querem passar uma imagem sustentável, mas na realidade não atuam? Para mim é o resultado dessa falta de confiança que se tornou num tema geral na sociedade. E a única forma de recuperar a confiança é com ações reais, ser muito transparente sobre o progresso que fazemos. Daí que a notícia mais importante que ninguém falou tenha sido o ISSB [Conselho de Normas de Sustentabilidade Internacional]..O que vai trazer? No segundo trimestre do próximo ano vai lançar o primeiro protótipo de prestação de contas nesta área, para que qualquer negócio, em qualquer sítio, relate o seu progresso da mesma forma, comparável, e aí, se houver greenwashing as pessoas vão ver. E se houver ações e progresso verdadeiro, pode não ser rápido o suficiente, pode ser diferente do que se pensava, mas poderemos falar de forma concreta e comparável. E então os mercados de capital podem decidir só apoiar as boas empresas nesta área. E todos terão que passar à ação. É por isso que esta foi uma COP importante. A discussão já não é "porque é que precisamos de mudar", é uma questão de "como é que fazemos para que a mudança aconteça"..Também há as críticas aos que se centram só nas compensações de carbono... Esse é ainda um debate demasiado ideológico, espero que o possamos resolver em 2022. A realidade é que, em relação a cerca de 10 a 15% das emissões, não sabemos que tecnologias as vão evitar. Podemos todos dizer que queremos chegar às zero emissões, mas se não sabemos como, então o que fazemos? É aí que as soluções climáticas naturais [NCS] desempenham um papel muito importante. As NCS não devem ser uma desculpa para não reduzir as emissões. Se uma empresa só tem offsetting ou esse tipo de soluções, isso não deve ser aceitável. Mais uma vez, a transparência vai ajudar. Os mercados de carbono serão importantes. O próximo ano deverá clarificar quais são as regras do mercado para os projetos climáticos naturais, para que não seja só "eu plantei uma árvore, fiz a minha parte". Mas algumas ONG, e respeito as suas vozes, dizem que não podemos sequer falar disso. Que a única coisa que uma empresa deve fazer é reduzir e talvez no fim, em 2050 olhar para o mercado. Mas isso será demasiado tarde. Espero que consigamos chegar a uma visão comum..Fala-se na meta de 2050, mas é nesta década que temos que agir para garantir a mudança, certo? Se não cortarmos em metade as emissões a nível global até 2030 é muito difícil ficar abaixo dos 1,5 graus. Isso significa que se queremos cortar as emissões já não basta fazer menos uma viagem ou comer carne menos um dia por semana. Não, são precisas mudanças radicais. Aqui o excitante não é pensar em desafios, mas em oportunidades. Porque precisamos do máximo de inovação. O que precisamos já é claro, precisamos de 100% de veículos elétricos até 2030, por exemplo, agora é o como que importa. Como ter energia verde suficiente, como ter estações de carregamentos suficientes, como é que levamos os consumidores a perceber esta mudança. E é nisso normalmente onde os negócios estão no seu melhor..Quando falamos em sustentabilidade, isso é mais do que neutralidade carbónica. O que está em causa? O objetivo final é ser uma sociedade de carbono líquido zero, de natureza positiva e equitativa. A sustentabilidade tornou-se bastante complexa, precisamos de nos focar na emergência climática, na perda da natureza e em alcançar uma sociedade mais equitativa. A questão do clima está ligeiramente à frente dos outros. A ciência é muito clara, as soluções começam a ser claras e a urgência de mudar é algo que a maior parte das pessoas compreende. A ideia da natureza positiva é algo que nas bolhas de sustentabilidade, como nesta conferência, todos falamos, mas se formos honestos, nem todas as empresas sabem o que fazer. O que vai acontecer no próximo ano é que as metas científicas para a natureza vão sair, estão agora a ser discutidas na task-force sobre divulgações financeiras relacionadas com a natureza. Estamos a falar de desflorestação zero nas cadeias de abastecimento, será um dos pontos grandes, ou gerir o stress hídrico na agricultura ou indústria..O terceiro ponto é o da equidade... A desigualdade é algo que ainda está mais atrasado. A maioria das empresas terá algo a dizer sobre inclusão e diversidade, sobre direitos humanos na cadeia de abastecimento, mas para além disso não sabem bem o que é. O que nós no WBCSD lançámos este ano foi uma nova iniciativa, a Comissão de Negócios para Combater a Desigualdade. Neste momento, cerca de 30 CEOs e 15 ONG estão juntos para fazer três coisas: moldar qual é a narrativa global para a desigualdade, quais são as áreas nas quais os negócios podem ter um impacto e quais são as soluções que o WBCSD ou a BCSD Portugal devem ajudar as empresas a implementar. Estamos a falar de direitos humanos, inclusão e diversidade, futuro do emprego, salário mínimo na cadeia de abastecimento... Áreas onde as empresas têm um impacto e dentro de um ano vamos apresentar uma agenda e esperamos mobilizar a mesma urgência que temos agora no clima..Que impacto é que a pandemia de covid-19 teve neste debate? Obviamente houve muito sofrimento humano e muita disrupção nas cadeias de abastecimento, com o qual muitas pessoas ainda estão a tentar lidar. Mas mais importante, a longo prazo, nas empresas com as quais trabalhamos, a realização de que tudo está ligado e que não podemos ser negócios de sucesso se não lidarmos com estes temas globais. No início da covid estava muito preocupado, porque não era claro o que a economia iria fazer. Talvez as empresas voltassem a gerir só os lucros e perdas. Mas o que vi é que revolucionou totalmente a forma como os negócios pensam a sustentabilidade e se querem envolver. Por isso, apesar de ter sido mau e continuar a ser mau para muitas pessoas, pode ter sido o despertar que precisávamos para nos tornarmos mais sérios nas outras coisas..A COP27, em 2022, será no Egito. O que é que gostava de ver lá? Quero ver o ISSB lançado e os governos a começar a discutir se o tornam obrigatório para todas as empresas. Seria uma conversa importante. A boa notícia em Glasgow é que se falou de alterações climáticas, mas também houve um dia dedicado à natureza. É muito importante no próximo ano ter um dia dedicado à alimentação. Porque a alimentação junta clima, natureza, desigualdade, saúde, é uma conversa muito mais sistémica. É é central que haja um compromisso com o fundo para o clima, os cem mil milhões de dólares, é importante em qualquer caso, mas estaremos num país africano, por isso, vamos lá, tragam o dinheiro. E para nós é continuamente importante pôr a pressão nas empresas e nos países para serem mais ambiciosos e avançarem mais rapidamente, mas isso já é o habitual..susana.f.salvador@dn.pt