A consagração (muito) tardia de Martin Scorsese

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Afinal, Martin Scorsese não ficou para tio nos Óscares. Com um atraso de quase 30 anos - devia ter ganho em 1981, por Touro Enraivecido -, o realizador empunhou, ontem à noite, e à sexta nomeação, a estatueta de Melhor Realizador por Entre Inimigos, ironicamente um dos seus filmes menos significativos, um remake de uma excelente fita de Hong Kong, Infernal Affairs. Mais um pouco e era um Óscar de Carreira. (Entre Inimigos também ganhou Melhor Filme).

Aos 64 anos, Scorsese quebrou a malapata que fez correr oceanos de tinta ao longo das últimas décadas e recebeu o Óscar, simbolicamente, das mãos de três rapazes da sua criação: Steven Spielberg, Francis Ford Coppola e George Lucas (deles, só este último ainda não levantou a estatueta de Melhor Realizador).

O realizador de Casino gostava de explicar que "a natureza da comunidade" de Los Angeles era responsável por ele, "um nova-iorquino", nunca ter recebido o prémio maior do cinema americano. A que se juntava o facto de os seus filmes "serem vistos como algo violentos". Mas fosse porque o bairrismo se esbateu, porque a violência se tornou numa figura de estilo em Hollywood, porque a Academia já não podia ouvir mais os críticos pró-Martin Scorsese, ou porque finalmente se apercebeu que ele é o maior cineasta americano e um tesouro nacional, fez-se finalmente direito por linha tortas.

Tal como Scorsese, também Helen Mirren e Forest Whitaker chegaram ao Kodak Theatre com o embalo todo das premiações dos jornalistas, da crítica e da indústria, e foi com toda a naturalidade que ganharam os Óscares de Melhor Actriz e Actor, respectivamente, por A Rainha e O Último Rei da Escócia.

Vencedores da noite foram também o sucesso indie Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos (Melhor Argumento Original e Actor Secundário - este para o veterano Alan Arkin, que "desviou" o Óscar do favorito Eddie Murphy), Jennifer Hudson (Actriz Secundária em Dreamgirls, que se ficou por duas estatuetas em oito indicações), o orwelliano As Vidas dos Outros (Filme Estrangeiro), do alemão Florian Henckel von Donnersmark, e O Labirinto do Fauno, do mexicano Guillermo Del Toro.

Este, com três Óscares em seis possíveis (incluindo o de Melhor Fotografia) foi o filme não-americano mais distinguido de uma noite incensada como sendo a da "diversidade cinematográfica", o que acabou por não se ver na premiação final. A cruzada ambiental teve um duplo triunfo com Uma Verdade Inconveniente (Documentário e Canção). Al Gore beneficiou de tempo de antena de luxo e da vassalagem da Hollywood gulosa de "causas".

Também ganhou Ellen DeGeneres, que soube adaptar à ocasião o tom do seu talk show e do seu humor soft-consensual, o que David Letterman ou Jon Stewart não tinham conseguido. DeGeneres foi ter com a sala, a sala correspondeu e a cerimónia ficou mais humana.

Entre os perdedores, e além de Cartas de Iwo Jima (este sim, o melhor filme do ano...), de Clint Eastwood, sobressai Babel - um Óscar em seis nomeações, o da Banda Sonora. Iñárritu só teve música.

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