A congressista de esquerda, o fato preto e a polémica no Twitter

Jornalista publicou uma foto da congressista que tomará posse em janeiro em que dizia que a roupa que vestia não parecia de "uma rapariga com dificuldades".
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Na quarta-feira, Alexandria Ocasio-Cortez partilhou com os seus seguidores no Twitter que, nos corredores do Congresso, há quem insista em indicar-lhe em que direção ficam os eventos reservados às mulheres dos congressistas ou aos estagiários, sem admitir a hipótese de uma mulher de 29 anos e de cor poder ter sido eleita para a Câmara dos Representantes. Mas a controvérsia nas redes sociais não foi essa: tudo começou com um comentário sobre a roupa que vestia.

Ocasio-Cortez nasceu no Bronx, até há pouco mais de um ano era uma empregada de restaurante e fez campanha focada na ideia de que seria uma outsider no Congresso. Conquistou 78% dos votos no 14.º Distrito de Nova Iorque nas eleições intercalares nos EUA e a partir de janeiro irá representar os seus constituintes em Washington, mas anda por estes dias a conhecer aquele que será o seu novo trabalho. A futura congressista define-se como uma democrata-socialista.

O tweet da polémica, entretanto apagado mas repetido pela própria Ocasio-Cortez, foi escrito por Eddie Scarry, um jornalista do conservador Washington Examiner. Incluía uma fotografia da democrata de Nova Iorque, tirada de costas, e dizia: "Um funcionário do Congresso enviou-me esta foto da Ocasio-Cortez que acaba de tirar. Digo-vos uma coisa: aquele blazer e sobretudo não parecem de uma rapariga com dificuldades."

Segundo as regras do Congresso, dentro do plenário, os homens têm de usar fato e gravata e as mulheres não podem usar vestidos ou blusas sem mangas. Se usarem calças, têm de usar também um casaco.

Reação no Twitter

A reação foi instantânea. "Se entrasse no Congresso a vestir uma roupa larga e velha, iriam rir-se e tirar-me uma foto de costas. Se entro com as minhas melhores roupas, riem-se e tiram-me uma foto de costas. A escuridão odeia a luz - é por isso que eu não ligo. Continuem a brilhar e continuem em frente", escreveu Ocasio-Cortez no Twitter.

Mas Ocasio-Cortez não se ficou por aí: quando Scarry apagou o Twitter original, ela republicou-o. "O Eddie Scarry acha que pode apagar a sua misoginia sem uma desculpa. Acho que não. És um jornalista - os leitores devem conhecer o teu preconceito."

Scarry justificou no Twitter a decisão de apagar a mensagem: "Escrevi um tweet mais cedo a sugerir que a futura congressista parecia bem arranjada - até elegante - apesar das indicações de que estaria com dificuldades. O tweet foi lido de outra maneira, por isso apaguei-o."

Problemas para alugar casa

Em causa está o facto de Ocasio-Cortez ter dito, numa entrevista ao The New York Times, que não tem dinheiro para arranjar casa em Washington. Tudo porque só depois de tomar posse, em janeiro, é que irá receber o primeiro ordenado como congressista e até lá, tendo sido eleita, não pode arranjar qualquer outro trabalho para fazer face às despesas. Na entrevista, confessou estar a debater-se com problemas financeiros e apenas a tentar "chegar até janeiro".

Mais cedo, ainda durante a campanha, também já tinha sido criticada pela sua roupa. No caso, uma fotografia tirada para a revista Interview, por causa de uma conversa entre ela e a atriz Kerry Washington. Na imagem, usou um fato da designer uruguaia Gabriela Hearst e um par de sapatos Manolo Blahnik. Roupa emprestada para a sessão fotográfica, que custa cerca de 3500 dólares.

Tal como na altura, a congressista também recebeu imenso apoio agora no Twitter, com Scarry a ser acusado de sugerir que as pessoas que têm dificuldades não podem usar blazers ou sobretudos. Foi ainda criticado por tentar envergonhá-la pelas suas roupas, acusado de se sentir ameaçado pelo que ela representa, daí ter tentado mostrar que ela não é quem aparenta ser e que, por extensão, não pertence a onde está.

"A razão pela qual os jornalistas da Fox News ou do Washington Examiner não conseguem deixar de ficar obcecados com a minha roupa, renda ou caracterizam conversas respeitosas como 'discussões' é porque, tal como tenho dito, as mulheres como eu não devem concorrer a um cargo público - ou vencer", escreveu Ocasio-Cortez.

Filha de uma empregada de limpeza e de um motorista de autocarros

Filha de uma empregada de limpeza porto-riquenha e de um motorista de autocarro nova-iorquino nascido também no Bronx, foi no entanto numa escola de Yorktown, no condado de Westchester, uma zona de classe alta, que Alexandria estudou. Tudo porque não havia vagas nas escolas do Bronx quando chegou à idade de entrar para a primária.

Formada em Economia e Relações Internacionais pela Universidade de Boston, voltou ao Bronx após completar os estudos, tendo servido às mesas e trabalhado num bar para ganhar algum dinheiro. O salário era essencial para ajudar a família a pagar as contas, depois da morte do pai de Alexandria e com a mãe a manter dois empregos: como empregada doméstica e motorista de autocarro.

Ameaçadas pelo banco, a mãe e a avó foram forçadas a vender a casa e a mudar-se para a Florida. Foi nesse ano que Alexandria começou a trabalhar na campanha de Bernie Sanders, o senador que disputou com Hillary Clinton as primárias democratas de 2016. E foi no veterano Sanders e nas suas posições de esquerda que se terá inspirado.

Véu islâmico obriga a mudanças nas regras

As regras de vestuário na Câmara dos Representantes devem mudar, mas em causa não está a obrigatoriedade de as mulheres usarem casaco quando usam calças ou não poderem usar vestidos ou camisas sem mangas. As regras vão mudar no que diz respeito à proibição, que existe há 181 anos, de não se poder usar chapéus.

Em causa não estão os chapéus, mas o facto de Ilhan Omar, recém-eleita pelo Minnesota, ser a primeira mulher no Congresso que usa véu islâmico. De origem somali, é uma de duas congressistas muçulmanas eleitas nestas intercalares: a outra é Rashida Tlaib, do Michigan. A alteração será para permitir um aligeirar das regras que existem desde 1837.

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