Investiga o parasita da malária há duas décadas e conta no currículo com várias descobertas importantes sobre o parasita que causa a doença. Premiada e reconhecida internacionalmente como uma das autoridades científicas nesta área, Maria Mota, investigadora principal e diretora executiva do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, acaba de ganhar mais um prémio: o Sanofi-Institut Pasteur 2018, que a distingue na categoria de carreira e pelo qual recebe 150 mil euros. Esta é a primeira vez que um cientista português recebe esta distinção internacional. A aplicação da verba do prémio ainda não está decidida, diz a investigadora. "Primeiro quero falar com a equipa sobre isso", diz..Qual é a importância deste prémio? Em primeiro lugar, é importante para a equipa. É sempre bom haver o reconhecimento pelos pares, isto é por outros cientistas. Em ciência, as pessoas veem aquilo que conseguimos fazer quando há descobertas. Mas por cada descoberta, temos milhares e milhares de dias em que não surge absolutamente nada. A ciência é um exercício de enorme perseverança, e os prémios constituem este lado positivo à equipa..E para si? Para mim também. Este é um prémio muito prestigiante e é bom vermos que a comunidade científica internacional reconhece o nosso trabalho. Lidero a equipa, mas este é um trabalho de todos, e não só da equipa que está hoje comigo, mas também dos que já passaram por lá e, hoje, felizmente, estão noutros sítios a fazer coisas também maravilhosas. No fundo, o prémio é para todos eles também. Depois há aqui um lado mais prático, e que é ótimo, que é o valor do prémio [150 mil euros]. É para gastar no laboratório, mas naquilo em que nós próprios pensamos que deve ser gasto. Isso dá-nos uma liberdade, o que é ótimo, porque hoje todos os projetos científicos a que concorremos têm já um programa altamente definido e muito estruturado, pelo que ficamos sempre dependentes de seguir aquele caminho. Este prémio permite-nos fazer aquelas experiências que pensamos que podem revolucionar. Muitas vezes para nos candidatarmos a projetos precisamos de resultados preliminares. Penso que este dinheiro vai permitir um pouco isso..Já tem ideia em que é que vai usar o dinheiro do prémio? Ainda não. Ainda nem falei com a equipa sobre isso. Nos últimos anos a equipa tem pensado cada vez mais no sentido de como podemos usar o conhecimento que produzimos para chegar às pessoas. E chegar às pessoas, aqui, é desenvolver produtos. Nunca antes foi assim na nossa equipa. Sempre produzimos conhecimento, e outros a partir daí poderiam desenvolver produtos para os doentes. E agora há este sentimento grande de que talvez isso seja desejável. Vou reunir-me com equipa para ver como podemos usar este dinheiro da melhor maneira..Mas o tema continua a ser a malária? O nosso projeto é em malária. Trabalhamos em malária. A não ser que surja uma ideia completamente diferente do que fizemos até agora, será sempre malária..Este prémio pode ser um contrapeso para o facto de a Maria Mota não ter sido um dos 500 investigadores aprovados no programa de contratos da Faculdade de Ciência e Tecnologia? Não vejo isso assim. Sou uma pessoa muito otimista. Há sempre soluções para tudo e estas são questões completamente separadas. Como disse na altura, e aproveito para dizer outra vez, não penso que nos devamos prender num assunto em particular, com alguém em particular, seja eu, ou outra pessoa qualquer. Neste momento, na ciência, em Portugal, precisamos de pensar sobre o que queremos das instituições científicas. Portugal cresceu imenso. Houve uma aposta enorme em toda uma geração que está a agora a trabalhar no país e pelo mundo fora, e precisamos de uma visão holística, de saber o que queremos que a ciência portuguesa seja nos próximos 30, 40 anos. E não quer dizer que seja depois esse exatamente o caminho que vamos fazer, mas pelo menos temos de desenhar esse caminho..Parece-lhe que neste momento existe essa visão holística da ciência para as próximas décadas? Talvez em algumas pessoas. Eu não conheço. Mas era preciso que discutíssemos isso. A comunidade científica deve poder dar a sua opinião. Obviamente, quem dirige tem a liderança e no final toma as decisões, mas é preciso percebermos o que queremos exatamente. Estamos sempre dependentes destes ciclos políticos muito curtos que muitas vezes servem, na minha opinião, como desculpa para não resolver problemas estratégicos de base mas que precisam de ser resolvidos..Na malária, em que aposta mais para novas descobertas, nomeadamente naquilo a que a sua equipa se propõe, que é desenvolver produtos para as pessoas? Temos duas descobertas feitas recentemente. Uma publicada no ano passado e outra já neste ano, em que já estamos a discutir um bocadinho esse caminho. Ou seja, como é que vamos usar este conhecimento para desenvolver algo. Isto para nós é um novo caminho. Fomos treinados como cientistas experimentais e aqui trata-se de pensar de uma maneira diferente, o que não é assim tão simples. Estamos a dar os primeiros passos nesse sentido..Concretamente estão a pensar em quê? O parasita da malária tem sensores para detetar as condições do ambiente. A nossa principal descoberta nesse campo foi a de que o parasita deteta o estado nutricional do hospedeiro. O parasita tem um sensor para fazer isso e depois adapta a sua virulência a esse estado nutricional. Obviamente não pretendemos mudar as dietas das pessoas. O que queremos é manipular esses sensores para levar os parasitas a pensar que estão num estado nutricional muito pobre, para que a sua virulência se reduza ao mínimo..A ideia é olhar para esses sensores como alvos terapêuticos? Exatamente. Descobrimos um sensor, mas deve haver vários, e queremos usá-los como alvos terapêuticos. Por outro lado, identificámos uma molécula que está na membrana que envolve o parasita, dentro da célula do hospedeiro, e descobrimos que essa molécula, uma proteína do parasita, bloqueia qualquer mecanicismo de autofagia da célula hospedeira. Ou seja, não permite que os mecanismos normais de eliminação de agentes patogénicos sejam ativados no organismo. Também queremos usar essa molécula como alvo terapêutico e já estamos a desenvolver compostos para bloquear a ação dessa molécula do parasita..A verba do prémio será investida num destes dois caminhos? Não tenho a certeza ainda. Quero discutir o assunto com a equipa. E se alguém aparecer com uma ideia muito diferente em que vale a pena apostar, podemos chegar à conclusão de que é por ali que vamos. A nossa vida é feita de risco. E a nossa equipa sempre foi assim, uma equipa que aposta no risco e em coisas diferentes para descobrir coisas novas.