A China está cada vez mais próxima
Num dos filmes do Festival de Cannes, Mountains May Depart, de Jia Zhang-Ke, deparamos com um panorama que abrange cerca de um quarto de século da história da China. Apetece dizer que, apesar do metódico realismo que conduz a narrativa, há nele um toque de "ficção científica", com a ação a repartir-se por três datas: 1999, 2014 e, por fim, uma "evocação" de... 2025.
Talvez possamos dizer isto de outro modo: para lá dos desequilíbrios e contradições que deteta no tecido social, Jia Zhang--Ke parece querer dizer que a China tem mesmo futuro. E não tenhamos dúvidas de que esse futuro será visceralmente cinematográfico.
Repare-se em algumas curiosas notícias da produção cinematográfica chinesa. Desde logo, sobre as suas alianças cada vez mais numerosas - e financeiramente mais significativas - com as indústrias de outros países: o francês Luc Besson, diretor da EuropaCorp (uma das mais poderosas empresas do espaço europeu) assinou um acordo de três filmes com a Fundamental (que também distribuiu os filmes da EuropaCorp nas salas chinesas). Depois, na diversificação dos modelos de difusão: a plataforma de difusão LeTV, também ligada ao mundo dos telemóveis, está a desenvolver uma crescente colaboração com entidades de Los Angeles e Silicon Valley. Enfim, importa relembrar o crescimento exponencial da distribuição/exibição, de tal modo que os analistas económicos preveem que, entre 2018 e 2020, a China deverá superar os EUA, transformando-se no maior mercado mundial do cinema.
Podemos repetir a proclamação do italiano Marco Bellocchio no título de um lendário filme de 1968: A China Está Próxima. Escusado será dizer que essa proximidade já nada tem que ver com as exaltações mais ou menos juvenis em torno do Livro Vermelho, de Mao Tsé-tung. A China que assim se afirma define-se como um parceiro intensamente ativo no universo do audiovisual, ajudando-nos a perceber que, com mais ou menos ilusões e equívocos, a globalização não é palavra vã.
Recentemente, em The Chinese Film Market (edição de 9 de maio), uma publicação mensal sobre o cinema chinês, sediada em Hong Kong, o jovem argumentista e realizador Zhou Zhiyong apresentava um retrato pragmático da sua geração. Embora reconhecendo que a produção da China possui ainda importantes limitações de organização, resumia assim os ventos de mudança: "Há 15 anos, os profissionais de cinema travavam discussões sobre Kurosawa ou Tarkovski; agora estão a falar cada vez mais de Produto Interno Bruto, ofertas públicas e ações da Bolsa."
Em 2011, quando foi lançado As Flores da Guerra, de Zhang Yimou, protagonizado pelo inglês Christian Bale, muito se falou do facto de o seu orçamento de quase cem milhões de dólares lhe conferir o estatuto de "mais caro" filme chinês de sempre. Em boa verdade, a reconversão económica que está em marcha envolverá também uma incontornável, em muitos aspetos fascinante, dinâmica cultural.