A catequese é muito mais do que aprender o pai-nosso

Tal como a escola, a catequese começa aos 6 anos. E, tal como na escola, a aprendizagem pode ser divertida. As crianças gostam. Mas não basta ir à catequese todas as semanas e fazer os sacramentos para se ser um bom cristão. "Isto é só o princípio da caminhada."
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São quase 19.00 num dia de semana normal na Igreja de Nossa Senhora do Amparo, na Estrada de Benfica. À porta do centro paroquial, um grupo de crianças joga à apanhada. Lá dentro, há mochilas e cadernos num canto do corredor, risos para lá de uma das portas fechadas, um miúdo passa a correr para a casa de banho. É hora de catequese e o ambiente é muito parecido com o de uma qualquer escola primária. Maria Luzia Silva, a coordenadora da catequese, bate à porta da sala onde decorre uma aula do 1.º ano. "Podemos entrar?" As mesas foram arrastadas para um canto e os miúdos estão todos de pé. "Íamos agora mesmo começar um jogo", diz a catequista, no meio do alarido.

"O 1.º ano é o primeiro contacto com um amigo especial que é Jesus", explica a coordenadora. "As crianças têm 6 ou 7 anos, ainda não sabem ler e é tudo muito lúdico, com jogos, canções. Trata-se de um acolhimento das crianças, um primeiro contacto com a mensagem de Jesus." No 1.º ano, as crianças já devem frequentar a missa e aprendem a comportar-se durante a celebração, aprendem a fazer o sinal da cruz e algumas orações mais simples. "Mas não estão oprimidas, estão felizes, como se vê." E, virando-se para a criançada: "Vocês gostam de estar aqui?" Ao que os miúdos respondem com um "siiiiiiiim" gritado em coro, terminando com muitas risadas.

Na sala ao lado está o 3.º ano. Um pouco mais velhos, estes já estão todos sentados, com o seu catecismo aberto em cima da mesa, muito atentos ao desenho que a catequista Margarida fez no quadro. Um sol. "Estava aqui a explicar-lhes porque é que o domingo é o dia do Senhor", diz-nos Margarida, que tem 22 anos e está a terminar o mestrado em Engenheira Mecânica. É ainda uma "catequista auxiliar, diz, timidamente. Maria Luzia acrescenta: "A Margarida é quase uma irmã mais velha dos miúdos. As catequistas não são só mulheres nem são todas mais velhas. Essa é uma imagem errada."

Trocar Deus por miúdos

Foi pelas mãos da avó que Margarida começou a ir à catequese da Igreja de Benfica. Em 2011, esteve na criação do primeiro grupo de jovens: "Decidimos que queríamos continuar a encontrar--nos e a colaborar com a paróquia." Durante a licenciatura tinha pouco tempo disponível, mas agora que está a fazer o mestrado e só tem aulas de manhã, Margarida aceitou o desafio do padre Nuno Fernandes para dar catequese. "O mais complicado é pensar como é que vou explicar as coisas de maneira que eles entendam, porque ainda são muito pequenos", explica. "Eles chegam aqui já cansados da escola, não podemos exigir que estejam muito concentrados. Isto não é para eles decorarem as orações. Quero que percebam como o amor de Deus é grande. É importante que saiam daqui com valores, que se interessem pelo outro."

De uma maneira geral, a catequese prepara as crianças do 1.º ao 9.º ano (os anos na catequese correspondem aos anos escolares) para os sacramentos da primeira comunhão e do crisma. O que significa que os mais velhos terão cerca de 14 anos, depois disso passam para os grupos de jovens. "Nos primeiros anos há mais miúdos. Depois do 4.º ano, quando as crianças geralmente mudam de escola e de horário, torna-se mais complicado e há algumas desistências", explica Maria Luzia. "Alguns acabam por voltar. Outros deixam de vir à catequese mas continuam a vir à missa, são católicos." E Margarida acrescenta: "Os adolescentes passam por aquela fase de dúvidas, não sabem o que querem da vida. Lembro-me bem."

Para se ser catequista é necessário frequentar um curso de iniciação à missão. Mas não só. Segundo o padre Tiago Neto, diretor do Setor da Catequese do Patriarcado de Lisboa, é, acima de tudo, preciso "ser cristão iniciado na fé, na esperança e no amor; dar testemunho da fé na comunidade cristã e no mundo, viver uma vida em que transpareça a beleza do Evangelho". E conclui: "No fundo, trata-se de um cristão convicto, maduro e responsável humana e espiritualmente, dotado de competências cristãs, pedagógicas e relacionais."

Falar também para as famílias

Rita Santos, de 34 anos, contabilista, é catequista há 17 anos. Na paróquia de São José, Algueirão, a mesma onde foi batizada e fez a primeira comunhão e o crisma, a mesma onde frequentou a catequese e o grupo de jovens onde conheceu o João Pedro, a mesma igreja onde se casou e batizou os três filhos (o quarto vem a caminho). "Sinto-me em casa aqui", diz, enquanto nos mostra os cantos todos do centro social paroquial, distribuindo bons-dias e beijinhos. "Trabalhar com os miúdos é muito fácil, eles estão sempre dispostos a participar em todas as atividades. Às vezes, o mais complicado é as famílias. A maioria das pessoas acham muito bem que os filhos frequentem a catequese, mas não se querem envolver."

Foi também para isso que, em algumas paróquias como na de Nossa Senhora do Amparo, em Benfica, começaram as experiências de catequese familiar. Funciona assim: de quinze em quinze dias, pais e filhos têm catequese à mesma hora mas em sessões separadas; na semana intercalar, são os pais que dão a catequese aos filhos em casa. "A ideia é facilitar a vida das pessoas que não têm tempo para vir todas as semanas, mas, ao mesmo tempo, é uma maneira de envolver as famílias na educação cristã das crianças", explica Sandra Simões, de 46 anos, mãe de duas crianças e com uma longa experiência como catequista (desde 1986) que há quatro anos abraçou o desafio de orientar a catequese familiar. "Isto acaba por ser até mais importante para os pais, é um encontro de famílias e uma oportunidade para os adultos voltarem a pensar e a falar em algumas questões da fé."

O papel da família na educação da fé foi o tema da Assembleia Diocesana de Catequistas que no dia 26 de março, um domingo chuvoso, juntou no Externato da Luz cerca de 700 catequistas. "Sentimos que as famílias necessitam de espaços positivos, onde se criem laços afetivos e de proximidade. Sempre que sentem estes espaços aproximam-se do ambiente da catequese", afirmou na sua intervenção o professor de Teologia José Eduardo Borges de Pinho, que aconselhou os catequistas a "não cair em impositivos morais" (como quando repetem "os pais devem...") e a valorizar o interesse das famílias que se aproximam da Igreja e o esforço que fazem (apesar das modas ou das reais dificuldades, por exemplo com os horários). "Temos de perceber a realidade plural das famílias."

A mensagem aos catequistas hoje é de abertura: às crianças que chegam ali sem sequer estarem estar batizadas (os catecúmenos representam atualmente 5% das crianças que frequentam a catequese); aos filhos de pais divorciados e que por isso têm constrangimentos e não podem vir todas as semanas à catequese; às crianças de famílias que não frequentam a Igreja ou que nunca sequer foram à missa. Acolher uma criança é acolher a sua família.

"Nós não nascemos cristãos, tornamo-nos cristãos", explica a um grupo de catequistas numa das sessões de trabalho nesse domingo o padre Tiago Neto. "É uma tentação reduzir o catecismo a uma série de coisas que as crianças têm de aprender, mas o que se pretende é criar uma identidade cristã." Não se trata só de aprender o pai-nosso e o credo. Assim como "a celebração dos sacramento não é como receber um diploma de mérito ou uma festa de finalistas, mas sim o início do caminho", explica o sacerdote. "Não devemos prepará-los para o sacramento mas, antes, levá-los a perceber a graça que já receberam. Isto é só o princípio da caminhada."

Rita sente-se verdadeiramente feliz a organizar todas as atividades da catequese, seja uma peregrinação a Fátima, uma festa de Natal ou uma recolha de fundos. "É muito gratificante. Fico orgulhosa quando vejo que as crianças aprenderam a rezar. E quando elas crescem e continuam por cá. Sabemos que cumprimos bem a nossa missão."

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