David Rebordão é um anónimo para a maioria do mundo. Mas se perguntarmos por um mito, um acidente numa curva de Sintra, cerca de um milhão e meio de cibernautas vão falar de A Curva, a curta-metragem portuguesa mais vista de sempre, que realizou, e que até já conseguiu assustar um japonês.. Rebordão é publicitário, tirou o curso de realização na Escola Técnica Imagem e Comunicação (ETIC) e sem fazer muito por isso tornou-se no primeiro guerrilheiro digital português. É o primeiro nome nacional a ilustrar a chamada Geração C: criativa, gestora de conteúdos e revolucionária. Com ela, a produção cultural pode cair nas mãos do povo..A Curva foi realizada em 2004 e David Rebordão colocou parte da fita online, cerca de sete minutos no site promocional do filme O Vírus. Serviria como um isco, uma manobra publicitária para a longa-metragem. Mas alguém descarregou a curta, criou um link no Sapo, e pôs a circular uma torrente de emails com o vídeo. .Com a criação da plataforma You Tube (www.youtube.com), A Curva teve a sua grande projecção. E "hoje não há senhor nenhum do paranormal que não use o meu vídeo para provar que existem fantasmas", diz Rebordão. A Internet fez renascer o mito urbano, as histórias de boca-a-boca que são comuns a todos os lugares. O fantasma que pede boleia é a de A Curva, que já circula legendada em inglês, italiano, castelhano e japonês. Mas as lendas sobrevivem porque não se distinguem da realidade. "Tive para convidar o Tiago Castro [o 'Crómio', dos Morangos com Açúcar]. Bastaria isso para que tudo falhasse", reconhece o realizador. Optou, então, por escolher actores sem uma personagem cravada..A Curva tem a autenticidade de um vídeo amador. Os actores foram ensaiados para falarem como pessoas de carne e osso, a iluminação é má, a imagem desfocada. O que se vê é um acidente de carro, com um espectro. E muitos espectadores acreditam que a morta se chama Teresa Fidalgo e que aquelas imagens são reais. .Para Carlos Coelho, presidente da empresa Ivity Brand Corp e especialista em gestão de marcas, estamos na era da realidade ficcionada. "Ficção e real estão a ficar baralhados. O consumidor produz conteúdos ficcionais, com situações e pessoas reais, e diverte-se com isso", resume. David Rebordão provoca este distúrbio na mente dos espectadores. A confusão criou o rumor, fóruns de discussão, vídeos a parodiar o original, fama. Um rastilho que foi ateado pelo público.."Na Net, o crivo da divulgação não está num conjunto de iluminados que decide o que é a cultura. As diferenças entre o anónimo e o famoso esbatem-se", afirma Carlos Coelho. O fluxo de comunicação foi alterado, tornou-se bilateral: com a Internet, qualquer um produz conteúdos e a divulgação é gratuita e acessível. O presidente da Ivity fala numa Geração C que se está a registar em "verdadeiros exércitos virtuais" cujo lema é Criatividade, Conteúdo e Cash (dinheiro). . David Rebordão apresenta-se como um guerrilheiro digital, o anónimo que "aceita todos os trabalhos, tem a tecnologia ao seu dispor para fazer os mesmo que os outros fazem, e diminui os prejuízos ao máximo", define ele. "Não precisei de nenhum subsídio do ICAM para realizar o meu filme. A Curva conseguiu mais do que qualquer outro filme português, a internacionalização", remata. .A técnica da guerrilha visa chamar o investimento do poder instituído. Sem dinheiro, Rebordão está a trabalhar num novo filme, RPG, que recria o universo dos jogos de vídeo. Ontem, colocou um teaser no site de A Curva (www.acurva.net), onde pede a todos os cibernautas que gostaram da curta que mandem um email aos canais de televisão.