A cantora ucraniana que se estreou em Portugal a viver nos Açores
Já tem nacionalidade portuguesa, mas quando lhe pergunto se se sente mesmo portuguesa, a resposta é imediata: "Não, portuguesa não me sinto, sinto-me sempre ucraniana. Tenho amigos portugueses e estou sempre no meio dos portugueses, e sinto-me muito confortável aqui, mas sou ucraniana. Agradeço a Portugal, que acolheu muito os ucranianos, é um país excelente para viver, para trabalhar, mas acho que tenho demasiado aquele sentido de minha pátria, sou muito patriota". Um patriotismo que não impede Laryssa Savchenko, mezzo-soprano e professora de canto no Conservatório Nacional, de mostrar orgulhosa a selfie que tirou com Marcelo Rebelo de Sousa, a quem chama "o nosso presidente".
Nasceu em 1962, no centro da Ucrânia, na cidade de Kryvyi Rih. O pai era ucraniano, a mãe russa. Tem uma irmã mais nova que ainda vive na Ucrânia, um dos motivos para as saudades que sente do seu país. Os pais queriam que fosse médica, Laryssa ainda tentou entrar na universidade, mas não conseguiu. Então decidiu dar uma volta na sua vida - desde cedo estudava piano e no coro amador de que fazia parte diziam-lhe que tinha boa voz, coisa na qual não acreditava - e, aos 17 anos, foi sozinha para Kiev para fazer provas para entrar num coro profissional de músicas tradicionais.
"Levei malas, livros e tudo, porque eu tinha de fazer exames. Uma rapariga, uma desportista, ajudou-me a levar a mala para a filarmónica, onde uma senhora me deixou lá passar a noite, pois os exames começavam no dia seguinte. Foi uma aventura. Foi dificil. Mas na altura ainda era a União Soviética, a vida era mais fácil, as pessoas mais abertas", recorda. Dessa vez não teve sorte, mas no ano seguinte as coisas correram melhor, ao conseguir entrar no conservatório de Kiev, em canto lírico, com nota de excelente. "Nunca pensei que fosse seguir esta carreira. E depois foi tudo muito rápido. Casei-me, nasceu a minha filha, enquanto estava a estudar no conservatório. Uma vida muito agitada. Na Ucrânia, antigamente, as pessoas casavam-se mais cedo do que aqui. Eu com 21 anos já tinha a minha filha. Agora tenho a minha filha com 33 anos e ainda não tenho netos e que quero muito ter ", desabafa, rindo.
Mas a História havia de trocar as voltas à vida de Laryssa. "Com os anos 80 começaram os problemas, quando morreu o nosso secretário-geral, Leonid Brejnev, ficámos em choque, pensávamos que ele ia viver muitos anos, estávamos habituados aquela vida. Depois o Gorbachev, depois a independência em 1991, a vida mudou tão depressa", explica, lembrando ainda a tragédia de Chernobyl, em 1986, "uma catástrofe, um choque".
Já no último ano do Conservatório começou a trabalhar no Teatro Municipal de Ópera e Ballet para Crianças e Jovens de Kiev. Esteve lá doze anos, adorou cantar para crianças, só se queixa de, por causa da sua voz grave, só fazer papéis de bruxa ou velhotas, com a cara transformada com maquilhagem. "Mas a minha filha dizia que eu era a melhor do mundo, a mais bonita".
A crise, e com uma filha para criar, levou Laryssa a vir para Portugal, país que não conhecia, mas para onde já tinham imigrado colegas músicos. Veio em abril de 1997 e esteve quatro anos nos Açores, dois na Graciosa e dois em São Miguel. Foi a sua primeira experiência como professora. Profissão que adora. "Sou eu que lhes dou as bases, dou-lhes parte do meu coração", diz.
Cansada da insularidade, em 2001 veio para Lisboa, após entrar para o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, onde esteve até 2012, e para o Conservatório, onde dá aulas. Não se arrepende da escolha que fez e, apesar de ter concertos com frequência, confessa que tem saudades de cantar. "Um cantor quando está muito tempo sem cantar, carrega muita energia aqui dentro e depois tem de descarregar", garante, enquanto aponta para o peito.