A canção que nasceu num bar de hotel
Penina. Até Dezembro de 1968 era o nome de um conhecido hotel no Algarve. A partir desse mês este nome ficaria para sempre associado aos Beatles, mais precisamente a Paul McCartney, e à canção homónima que compôs para um grupo de músicos portugueses, os Jotta Herre.
Luís Pinheiro de Almeida, co-autor do livro Beatles em Portugal, contou ao DN o início desta história: "Em Dezembro de 1968 Paul McCartney chegou de jacto privado a Faro com Linda Eastman, que viria a ser sua mulher, e foi directo para a Quinta das Redes, na Praia da Luz." Na altura Hunter Davis, autor da única biografia autorizada dos Beatles, estava a passar férias nesta quinta.
Durante esta temporada de férias, McCartney decidiu um dia (algures entre10 e 18 de Dezembro) ir até à discoteca Sobe e Desce, no Carvoeiro, "muito famosa na altura", referiu Pinheiro de Almeida. No entanto, no caminho o músico apercebeu-se que consigo só tinha libras. Foi então que, acompanhado por Linda Eastman, decidiu parar no Hotel Penina apenas para trocar essas libras por escudos.
E foi esse o momento que gerou toda esta história à volta de Penina e Paul McCartney. Neste dia encontrava-se a tocar no hotel o grupo Jotta Herre, formado por Aníbal Cunha, Rui Pereira, Carlos Pinto e José Carlos Flamínio. Este último contou ao DN o momento em que reconheceram o então ainda Beatle: "Tínhamos feito um intervalo de 10 minutos quando nos apercebemos que tinha entrado no hotel alguém muito parecido com o McCartney. Ele ficou muito admirado por ter sido abordado logo na recepção, mas foi muito simpático. Apesar de ser 1.30 da manhã, convidámo-lo a tocar connosco." E assim aconteceu. Os Jotta Herre ainda tentaram que ele tocasse baixo, mas McCartney optou pela bateria. "Ficámos a tocar até às 3.30 da manhã", contou Flamínio, hoje representante da editora Universal Music no Porto.
Juntos tocaram vários standards. Mas no final da noite McCartney quis dar "um presente" a este grupo de músicos do Porto. "Antes de se ir embora ele disse: vou-me embora mas antes vou oferecer-vos uma música. Sentou-se ao piano e em pouco tempo compôs Penina", contou José Carlos Flamínio. O antigo músico dos Jotta Herre lembra que na altura "o bar ficou cheio porque as pessoas aperceberam-se que o que estávamos a tocar era diferente do habitual e quando desciam dos quartos viam Paul McCartney".
Depressa esta "brincadeira" chegou aos jornais ingleses. "Na altura estava no Penina Henry Cotton, famoso jogador de golf e correspondente de um jornal inglês (Daily Express). Pouco depois escreveu que McCartney tinha dado uma gorjeta de milhares de contos aos Jotta Herre", lembrou Luís Pinheiro de Almeida. Essa "gorjeta" valia mais precisamente 6600 contos, o valor que na altura se estimava que tinha cada canção dos Beatles.
O próprio Paul McCartney escreveu na Club Sandwich (revista do seu antigo clube de fãs): "Nunca pensei eu próprio em gravá-la". Mas esta canção gerou alguns problemas: "Em Londres gerou um grande sururu, porque havia imensa confusão com a venda do catálogo das Northern Songs para a ATV e ainda estava tudo muito nebuloso", contou Luís Pinheiro de Almeida.
José Carlos Flamínio referiu que não tiveram logo autorização para gravar o tema. Quando puderam, convidaram McCartney, mas este não estava disponível. Tentaram ainda ir para Londres, "mas a direcção do hotel não deixou porque tínhamos um contrato com eles e porque éramos a grande atracção", contou. Acabaram por gravar o tema, pela editora Phillips, que saiu num EP também intitulado Penina, que foi editado no Verão de 1969. Em Julho o mesmo tema foi novamente editado, mas cantado por Carlos Mendes, que estava a lançar-se a solo, depois do fim dos Sheiks: "A versão dos Jotta Herre estava muito mal cantada e mal arranjada. Foi então que a Valentim de Carvalho, que representava a Parlophane, convidou-me para gravar o Penina", lembrou o cantor ao DN.
A versão de Carlos Mendes acabou mais tarde por ser incluída numa compilação de 1976 intitulada The Songs Lennon and McCartney Gave Away, o que para Luís Pinheiro de Almeida é "uma imprecisão histórica". Já a versão dos Jotta Herre apenas foi incluída num bootleg (disco não oficial) chamado Unheard Melodies - The Songs The Beatles Gave Away.
Este ano Penina passou para o outro do Atlântico, mais precisamente para o Brasil. E este mês será editado nesse país o segundo volume da compilação O Outro Lado da Abbey Road, que reúne apenas temas dos Beatles de 1969. O cantor brasileiro Aggeu Marques é quem assina a nova versão de Penina aí incluída.