A boia de Espinho
De Espinho, à beira-mar, em dia de temporal, estendemos o olhar pelas ondas e observamos com angústia aquele ponto mais escuro que se debate, ao longe, com a ressaca. Os pessimistas apostam que se trata da cabeça de um náufrago. Os avisados, porém, esclarecem que se trata afinal de uma boia fustigada pelo vaivém da ondulação. Como essa boia flutuante, aí está Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves, 49 anos, o novo líder do PSD, a quem as eleições primárias de sábado acabam de conferir uma vitória por 73% dos votos militantes - percentagem sem precedentes num partido sobrevivente a vários temporais políticos, sobretudo internos, nos últimos sete anos de jejum do poder, mas capaz de manter a cabeça à tona quando muitos lhe vaticinavam o naufrágio.
À segunda foi de vez. Na primeira tentativa, em 2020, Luis Montenegro tinha perdido para Rui Rio, o líder que agora vai substituir após umas eleições primárias com grande abstenção e pouco impacto mediático. É o 19º líder do PSD, contra 10 do CDS, oito do PS e apenas três do PCP. O novo presidente social-democrata, que já em 2019 tinha desafiado a liderança a convocar eleições antecipadas no partido, dizendo que não se resignava "a um PSD pequeno, perdedor, irrelevante, sem importância política e relevância estratégica", ganhou agora de forma esmagadora, prometendo aos seus "acabar com a hegemonia socialista".
Os partidos são máquinas trituradoras, ávidas de poder. E não basta ganhar nas fileiras quando não se ganha o país. Que o diga Rui Rio, que ganhou sucessivas eleições internas sem conseguir ser verdadeira oposição ao governo do PS. Ele, que liderou o partido apesar do partido. Para uns, a queda de Rio ficou a dever-se à sua inconsistência como ator; para outros, ao texto que escolheu recitar. Na hora da despedida, deixou uma frase lapidar: "O meu futuro político acaba aqui. Ponto final, parágrafo".
Depois de vencer em todos os 23 círculos eleitorais internos, Luis Montenegro chega à liderança do PSD no momento mais difícil da história do partido. Não se trata apenas da longa travessia que o espera, perante um governo PS de maioria absoluta no Parlamento, que é suposto durar toda a legislatura. O seu maior problema está na fragmentação da direita política portuguesa: onde antes havia apenas um partido à direita do PSD, há agora mais dois emergentes - a Iniciativa Liberal, com algum poder de sedução entre o eleitorado mais jovem, e sobretudo o Chega, a formação que procura capitalizar descontentamentos à custa dos decibéis que acrescenta ao discurso anti-sistema e xenófobo, alinhado com a extrema-direita europeia.
O futuro de Montenegro enquanto líder do PSD está agora na sua capacidade para estabilizar o partido, e deste voltar a federar a direita do espetro político, recuperando o seu eleitorado tradicional. Precisa, para tal, de ser incisivo na oposição e afirmativo nas propostas de alternativa à governação socialista, sem quaisquer concessões à deriva anti-democrática. A escolha da direção do grupo parlamentar e a equipa dirigente que proporá ao congresso, dentro de um mês, darão os primeiros sinais da nova liderança do PSD. Mas o grande teste de Montenegro ocorrerá apenas no resultado do confronto direto, com as eleições europeias em 2024. Ele sabe disso: "Tenho dois anos para mostrar que sou capaz". Não há democracia sem incerteza e sem conflito. Mas uma democracia madura não tolera ressabiamentos, antes reclama uma oposição forte, capaz de acenar com futuro, alternativas e esperança.