A boa "perseguição"
Foi em Luanda, em 1992, que me cruzei pela primeira vez com António Franco, confesso que fiquei intimidado com o porte e a voz do diplomata que acabara de conhecer, sendo eu na altura um jovem jornalista entusiasmado com o processo de paz angolano que começava a ser implementado, numa operação de enorme complexidade e em que Portugal tudo apostava. O Embaixador António Monteiro, natural do Bié e profundo conhecedor dos assuntos africanos, liderava a missão portuguesa junto da Comissão Conjunta Político-Militar (CCPM), que acompanhava a implementação da complexa e difícil tarefa de levar os angolanos, do MPLA e da UNITA, em paz, até às eleições gerais, que se pretendiam livres e justas.
António Franco, então Ministro-Conselheiro, era o número dois dessa delegação, em que pontuavam também experientes militares como, por exemplo, o General Tomé Pinto. As primeiras conversas que travei com ele giraram em torno de Angola, da sua história, e da esperança que representava o processo em curso. Rapidamente a minha timidez se converteu em simpatia, admiração pelo caráter, retidão e humor notável, para além de uma cultura superior. Infelizmente a guerra voltou a assombrar Angola e a prioridade voltou a ser o cessar-fogo e a reconciliação. Os nossos encontros prosseguiram nos palcos de negociações, nomeadamente em Adis Abeba, capital da Etiópia, onde as nossas conversas se tornaram ainda mais produtivas e abrangentes, ouvindo dele sempre palavras determinadas e confiantes no desfecho das conversações, com muito humor sempre presente. Fui testemunha privilegiada do esforço, dedicação e competência superior de António Franco em prol da Paz em Angola. Um crédito que Portugal e Angola lhe devem.
Quiseram as circunstâncias que os nossos encontros não se ficassem pelo processo angolano. No regresso de uma viagem a Moçambique, com a Comissão Parlamentar de Defesa, em julho de 1994, fizemos uma escala técnica de uma noite em São Tomé. Decorria então uma prova internacional de futebol e recebemos um convite da Embaixada de Portugal para um jantar na residência do Embaixador, nem mais nem menos do que António Franco, acabado de chegar, com os caixotes ainda intactos e anfitrião do primeiro repasto desde que assumira funções. Antes da deliciosa feijoada de marisco, antecedida de um saboroso e refrescante sumo natural de abacaxi, a receção que me coube não podia ter sido mais calorosa, acompanhada pela "acusação" brincalhona de que eu o "perseguia", numa referência carinhosa aos nossos reencontros. Quis o destino que eu fosse fazer a reportagem da tomada de posse de Jorge Sampaio, em março de 1996, e António Franco fosse escolhido Chefe da Casa Civil do Presidente. Nos Paços do Concelho voltei a ouvir com aquela voz única "também aqui? Você não me larga!" Os reencontros sucederam-se no Palácio de Belém, mas foi no Brasil, em 2001, a seguir à Cimeira Luso-Brasileira de Brasília, que o espanto e a alegria do reencontro foram mais verbalizados com um "Até aqui, jovem jornalista?". As notícias dizem que morreu o Embaixador António Franco, marido de Ana Gomes. Para mim morreu um dos Príncipes da Diplomacia e da vida! Obrigado, Embaixador!
Técnico Superior do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua e antigo jornalista da Antena 1