A bíblia dos humoristas modernos que tornou o impossível possível
Herman José não hesita na resposta quando o mote é Monty Phyton: "Eles são a bíblia de todos os humoristas modernos, são incontornáveis. E a mim mudaram-me a vida quando em 1975 comecei a vê-los na RTP2." Aos 65 anos, o humorista recorda-se bem do que lhe transmitiam os cinco britânicos quando os via no segundo canal da televisão pública há mais de quatro décadas: "Uma maneira totalmente diferente de chegar ao humor e uma linguagem que me tocava profundamente, e que era diferente da linguagem que fazia rir os meus pais."
A influência dos Monty Phyton é evidente e assumida no humorista português. "Eles estão sempre presentes. A voz da minha Maximiana são as personagens deles, o tipo de nonsense e o tipo de timing é deles." E escutando a mãe de Brian em A Vida de Brian, ou em outras personagens femininas, lá está aquele timbre esganiçado e desbragado da mulher do povo, que aterrou no Humor de Perdição em 1988 chegada diretamente da Merdaleja.
Também terá sido na RTP que Ricardo Araújo Pereira os viu pela primeira vez: "A impressão que me causou foi, provavelmente, a mesma que causa a qualquer miúdo que vê aquilo pela primeira vez: eu não sabia que era possível ser assim. É uma espécie de loucura fulgurante governada por uma razão sofisticada. Foram exatamente estas palavras que me ocorreram aos 10 anos" - escreve-nos no dia de (rara) pausa de Gente Que não Sabe Estar. O humorista de 45 anos, que integrou o coletivo Gato Fedorento, acede que os Monty Phyton são uma das influências que teve, "juntamente com outros autores da mesma família humorística, como Woody Allen ou Mel Brooks, por exemplo."
"Os Monty Phyton influenciaram muito o Herman, o Herman influenciou muito os Gato Fedorento, os Gato Fedorento influenciaram muito a minha geração e acaba por ser uma influência em cascata", admite Guilherme Duarte, o autor do blogue Por Falar Noutra Coisa e coautor, com Ricardo Cardoso, da série humorística Falta de Chá, que se estreou no YouTube e posteriormente chegou à SIC Radical.
Guilherme tem 35 anos, faz stand-up, sketches, escreve para humor, e foi com os britânicos que teve os primeiros contactos com a comédia: "Eu lembro-me de ver os filmes que eles lançaram muito novo, tinha uns 12 anos. Não tenho a certeza de qual foi, mas acho que foi The Meaning of Life. E lembro-me de não perceber metade das referências, daquele humor refinado que eles tinham", diz-nos. Mais tarde, depois de ver o Herman Enciclopédia, começou a procurar o que se fazia lá fora. "Notava-se uma grande diferença de orçamentos de produção, mas a influência do nonsense que os Monty Phyton já faziam e o que cá calculo que o Herman tenha sido o primeiro a arriscar fazer", diz.
Para Herman, os Monty Phyton "estão um bocadinho para o humor como o Sinatra está para os crooners ou como Ella Fitzgerald está para o jazz: são incontornáveis. E são geniais, e são tão geniais que nós vemos programas que têm 47 anos ou mais e estão completamente atuais, de modernidade, de timing, de modernidade de representação..." Diz-nos que não tem por hábito rever os sketches dos britânicos: "Não vale voltar a eles, que eles estão sempre presentes..."
Já Ricardo Araújo Pereira volta aos sketches e aos filmes "muitas vezes". E diz que tem um sketch favorito de acordo com os humores: "Tenho um favorito todos os dias. Hoje escolho o Summarize Proust Competition", escreve-nos (um dia depois do Gente Que não Sabe Estar dedicado ao debate dos pequenos partidos).
Ao contrário de Herman, que nunca conheceu pessoalmente os britânicos - "só tangencialmente em coisas sociais, sem grande profundidade para grande pena minha" -, RAP já entrevistou três deles (Michael Pallin, Terry Jones e John Cleese). Há algum episódio que o tenha marcado? "Perguntei ao Terry Jones como é que eles tinham reagido quando o Oxford English Dictionary tinha acrescentado a palavra "pythonesque" ao vocabulário da língua inglesa. Ele disse que tinha sido uma profunda derrota porque eles tinham pretendido fazer um conjunto de coisas muito diferentes umas das outras e afinal tinham criado um estilo. Depois falei nisto ao John Cleese e ele respondeu que o Terry Jones só diz disparates."