A bengala no Indo-Pacífico
Não é a cimeira ideal, mas não deixa de ter alcance no programa da presidência portuguesa. As relações entre a União Europeia e a Índia têm um mar de potencialidades por desbravar e sem diálogo político dificilmente avançarão. Elas são importantes, desde logo, por diversificarem os ângulos em curso na política internacional, profundamente marcados pela dinâmica sino-americana. A UE não tem qualquer interesse em ali ficar aprisionada e beneficia com o desenho de uma radial de diálogos estratégicos com os EUA, a União Africana, o Brasil e, no Indo-Pacífico em particular, com o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e, claro está, a Índia. Não significa isto inviabilizar um roteiro minimamente construtivo com a China, mas afinar com outra coragem os seus termos: por um lado, invertendo os seus atuais desequilíbrios, que estão a beneficiar a passada chinesa; por outro, não fazendo do mesmo a única e maior aposta estratégica. A relação com Nova Deli é o passo natural nesses reequilíbrios.
Mais uma vez, não sendo uma cimeira ideal fruto de constrangimentos sanitários, é realizada sob expectativas moderadas, o que pode contribuir para forçar resultados mais positivos do que se esperaria e sair, assim, beneficiada a organização. Por exemplo, no domínio do comércio livre, uma dinâmica que pode potenciar ambos os mercados, posicionando a UE ainda com mais força na arquitetura de acordos regionais que já tem com Japão, Singapura, Coreia do Sul, Vietname, e que está a negociar com a Austrália e a Nova Zelândia. Mas também, respondendo ao acordo já assinado entre o Reino Unido e a Índia e, sobretudo, ao congelamento previsível do acordo de investimento com a China.
Mas não só: tem ganho tração a cooperação com a Índia na segurança marítima, cuja parceria estratégica está já no radar da NATO. A consolidação de um fórum tecnológico, com foco no 5G e nas potencialidades das rotas digitais submarinas (que Portugal acolherá em breve em Sines, ligando América Latina, África e Europa), merecem um compromisso político alargado, tal como todas as metas ambiciosas no combate às alterações climáticas. Estas duas dimensões são não só a causa e o efeito de praticamente todas as decisões em curso na política internacional, como marcarão as linhas de tensão geopolítica nas próximas décadas. E quem estiver agora predisposto a forjar os alinhamentos mais construtivos, terá mais influência sobre o rumo da globalização.
Por fim, pode também contribuir para um desfecho mais positivo do que as expectativas indicam a posição vulnerável em que a mitomania de Modi se encontra, quer pelo descontrolo acelerado da covid - o que levou a UE a disponibilizar ajuda de emergência - quer pelos maus resultados nas recentes eleições na região de Bengala Ocidental. A ligação entre as duas é, aliás, direta: os mais de vinte comícios em que Modi participou provaram a desvalorização absoluta dos contágios, subordinada a uma tentativa de vitória a qualquer preço para o BJP. Ora, não só o emprego do capital político do primeiro-ministro resultou numa subida abrupta de contágios locais (250 para 17 mil num só mês), como as oposições podem ter encontrado a figura agregadora para enfrentar Modi nas legislativas de 2024, precisamente a vitoriosa governadora de Bengala Ocidental, Mamata Banerjee.
Até lá, e bem depois disso, europeus e indianos estão condenados a entenderem-se.
PS: presto sentida homenagem ao professor Nuno Monteiro, desaparecido prematuramente e que a todos deixa saudades. Era o melhor entre todos nós que trabalhamos em Relações Internacionais, um brilhante académico e aquele que mais prestígio internacional alcançou. Os seus alunos e colegas nas universidades de Chicago e Yale não o esquecerão. Nós, que tivemos a sorte de conviver e aprender com o Nuno, também não.
Investigador