Susana SalvadorA única surpresa que pode haver será económica", defendeu o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa Andrés Malamud. Os argentinos são chamados a votar neste domingo na primeira volta das presidenciais, mas, após a derrota expressiva nas primárias de agosto, as hipóteses de o presidente Maurício Macri conseguir a reeleição são quase nulas. "Há uma probabilidade de 95% de vitória da dupla Fernández na primeira volta, mas o resultado económico ninguém sabe", disse Malamud..A dupla Fernández de que o investigador fala é a formada por Alberto Fernández, de 60 anos, e Cristina Fernández de Kirchner, de 66. Ela esteve à frente dos destinos do país entre 2007 e 2015, após um primeiro mandato do marido, Néstor Kirchner, surpreendendo tudo e todos quando decidiu candidatar-se apenas a vice. Ele foi chefe de gabinete do casal, rompendo com Cristina em 2008 e tornando-se um dos seus principais críticos. Mas essa história já ficou para trás. Empréstimo milionário.Macri, de centro-direita, chegou ao poder em 2015 ao derrotar o candidato apoiado por Cristina Kirchner. Prometeu modernizar a economia do país, com políticas mais favoráveis aos mercados e acordos comerciais liberais. Uma mudança radical depois de 15 anos de governos kirchneristas, intervencionistas. Apesar de algumas medidas impopulares, a terceira maior economia da América Latina, que no ano passado acolheu a cimeira do G20, parecia estar bem encaminhada. Mas a crise em 2018 acabou com o sonho, com Macri a ser obrigado a pedir um empréstimo recorde de 57 mil milhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional..A inflação elevada, a recessão e o aumento do número de pobres (35% da população) acentuaram o descontentamento que algumas políticas tinham causado e o reflexo vai sentir-se agora nas urnas. Nem a ameaça de um regresso do kirchnerismo nem a queda do peso em mais de 30% que se seguiu à derrota de Macri nas primárias parecem suficientes para mudar a opinião dos argentinos. Há sondagens que dão à coligação Frente de Todos não só a maioria absoluta como uma diferença de mais de 20 pontos para Macri, de 60 anos..O problema é que o presidente deixa uma herança pesada a nível económico. "Os dois cenários possíveis são a hiperinflação, como aconteceu em 1989 e em 1990, e o default. Nenhum é necessário, podem até nem acontecer, mas ambos são possíveis", explicou Malamud. "O ministro da Economia diz que as reservas do banco central chegam sem problemas até dezembro, mas com isso está a dizer muita coisa", acrescentou. O novo presidente toma posse a 10 de dezembro..Até lá, e caso se confirme a vitória de Fernández, é preciso lidar com o período de transição, que se antevê complicado porque os dois candidatos não se falam. Em relação a como sair da crise, Malamud explicou que, segundo os economistas, há indicativos positivos. "Um é a capacidade ociosa, uma vez que 50% do aparelho produtivo não está a trabalhar. Outro é o superavit comercial, baseado na recessão. Não é que a Argentina esteja a exportar muito, mas porque está a importar pouco", disse..A situação económica está tão grave que Malamud não aposta na hipótese de Macri, o terceiro não peronista a ser eleito presidente, poder tornar-se o primeiro a acabar o mandato. "Ainda falta." Sobre o futuro de Macri, depende dos resultados. "Uma coisa é perder com 30%, outra com 35%. Nos sistemas presidencialistas não existe o papel do líder da oposição. A cada quatro anos produz-se um candidato presidencial alternativo. O que ele pode fazer, e acho que o fará se estiver a ser perseguido pela justiça, é continuar na política. E isso pode estragar a renovação da oposição", disse, lembrando que há uma centena de processos contra o presidente, que se os perder fica sem imunidade..Unir o peronismo.Na Argentina, mais do que falar de esquerda e direita (metade dos argentinos não sabe como distribuir os partidos dessa forma), a distinção é entre ser peronista ou não. O peronismo é um movimento que surgiu nos anos 1940 ligado a Juan Domingo Perón, eleito presidente em três ocasiões. A ideologia é irrelevante, o peronismo pode ser de esquerda (como com os Kirchner) ou de direita (foi-o com Carlos Menem)..Após o seu candidato perder as eleições de 2015, e numa altura em que já havia inúmeros processos judiciais contra si, Cristina Kirchner manteve-se ativa na política. O resultado foi criar divisão no peronismo - o candidato a vice de Macri é um antigo senador peronista, Miguel Ángel Pichetto. "Ela era o elemento que impedia a unificação do peronismo. Quando deu esse passo atrás, o seu eleitorado continuou na Frente e Alberto permitiu a entrada do eleitorado peronista não kirchnerista", disse Malamud..Kirchner não fez campanha, deixando o palco para Fernández, mas percorreu o país a apresentar o seu livro. Na prática, o vice-presidente não tem poder nenhum. "É presidente do Senado e pode desempatar em caso de empate, mas não controla a agenda legislativa", explicou Malamud. "Mas ela obviamente tem um poder político, pode fazer pressão, controlar a rua. Não é por ser vice-presidente, é por ser líder histórica", acrescentou o investigador argentino.