A ascensão do "filho adoptivo do proletariado" a líder do PCP

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É um personagem ímpar do século XX. Um actor da História, em Portugal e no mundo comunista. A sua biografia e a história do PCP entrelaçam-se numa só. Ideólogo comunista, deu a vida ao partido. É um dos símbolos, como o PCP também o é, da luta contra quase meio século de ditadura fascista derrubada a 25 de Abril de 1974. É símbolo, também, da Revolução dos Cravos. Daquela que foi derrotada. Diabolizado por uns, respeitado por outros, Álvaro Cunhal deixará a sua marca como uma das personalidades mais fascinantes e complexas do último século português. Para muitos militantes comunistas, mais do que o ideólogo, o político, o estratego, o homem será sempre "o Álvaro" e a imagem que dele guardarão é muito simples "Há-de ser sempre o nosso líder."

O jovem revolucionário Nasceu numa família da burguesia rural, em Coimbra, em 1913. Passa a infância entre Coimbra e Seia. Aos 17 anos, já na Faculdade de Direito de Lisboa, dá o que considera ser o passo mais importante da sua vida torna-se comunista, entrando mais tarde para o PCP, com a ajuda de Cansado Gonçalves, amigo do pai, Avelino Cunhal.

Fascinado pela revolução soviética, o jovem Álvaro é membro da Liga de Amigos da URSS, da Liga contra a Guerra e o Fascismo. Participa como representante dos alunos no Senado Universitário. É um activista político empenhado. Em 1934, a sua primeira missão dentro do partido, por decisão do secretário-geral, Bento Gonçalves, é organizar a Federação das Juventudes Comunistas (FJC) em Lisboa e na Margem Sul. A seu lado estava Francisco Paula de Oliveira, mais conhecido por Pavel e importante dirigente do PCP. No ano seguinte, o jovem "Daniel" (um dos seus primeiros pseudónimos) sobe ao Secretariado da FJC e é nessa qualidade que assiste, em 1936, ao VI Congresso da Internacional Juvenil Comunista, em Moscovo. A transição para o PCP é natural. Nesse ano, é eleito, apenas com 22 anos, para o Comité Central, seguindo depois para Espanha, onde assiste ao desencadear da guerra civil. De volta a Portugal, é preso, aos 24 anos (por distribuir propaganda nas ruas), e libertado no ano seguinte, depois de cumprir pena no Aljube e em Peniche. Cumpriu o serviço militar em Penamacor. Como soldado raso, em 1939.

Nessa década de 30, o PCP é abalado por vagas de prisões pela polícia política do regime salazarista. Bento Gonçalves, o líder, está preso na terrível prisão do Tarrafal, onde morre em 1942. Nesse ano, Cunhal é eleito para o Secretariado do partido. O seu nome chega a ser proposto para secretário-geral, mas recusa o cargo.

A libertação de Cunhal e outros dirigentes (José Gregório, Júlio Fogaça, Militão Ribeiro, Manuel Guedes, Pires Jorge, Sérgio Vilarigues, Dias Lourenço) permite, então, iniciar a reorganização do partido em 1940/41. No essencial, o actual PCP, com a matriz marxista-leninista, "nasce" nesse processo, em que Cunhal e Fogaça foram decisivos.

Em 1939, o PCP é expulso do Comintern (a Internacional Comunista), acusado de estar "infiltrado por espiões e provocadores". As desconfianças relativamente aos portugueses resultavam de sucessivas vagas de prisões que levaram dezenas de dirigentes aos calabouços do regime fascista.

Isolados do Movimento Comunista Internacional, apesar dos contactos com o PC espanhol e o francês, a luta interna é dura e faz-se, da parte dos "reorganizadores" contra a direcção, o "grupelho provocatório", como lhe chamaram Vasco de Carvalho, Cansado Gonçalves e Velez Grilo, entre outros. O processo é longo, mas o grupo em que Cunhal é já figura proeminente vence. É preciso "blindar" o PCP, fortalecendo a sua estratégia. A influência de Cunhal é evidente. Os métodos de trabalho são reorganizados; os cuidados conspirativos (para iludir a polícia política) são cada vez mais rígidos; é criada uma rede de funcionários, um "sólido núcleo de revolucionários profissionais" espalhado pelo País; o "trabalho colectivo" passa a ser regra. Até hoje, é esse o discurso oficial do PCP. Uma das marcas do líder histórico dos comunistas.

Por essa altura, já Cunhal vivia na clandestinidade. Em 1942, ano em que volta a ser eleito para o Secretariado, é destacado para organizar o partido no Norte do País. É nesse período que nasce a imagem de Cunhal como o homem da bicicleta - o funcionário que anda à chuva e ao sol, visitando aldeias e células -, mais tarde contado por Manuel Tiago (o pseudónimo literário de Cunhal) no romance Até Amanhã, Camaradas. É o elogio à heroicidade do funcionário do partido. É também dessa altura o texto, do próprio Cunhal e que teve várias reedições, Se fores preso, camarada..., manual para resistir às torturas da PIDE, sem fazer denúncias.

Cá fora, os tempos eram conturbados. A PIDE endurece a repressão e o PCP vive um período de sectarismo. As críticas não poupam Cunhal nem os "erros conspirativos" que o levaram à prisão. Mas é para Manuel Domingues, membro do Comité Central, cuja morte ainda hoje alimenta polémicas, que se aponta o dedo como o delator.

A ascensão do "filho adoptivo do proletariado" a líder do PCP

Um ano depois, o PCP voltava, 19 anos depois de Bento Gonçalves, a ter um secretário-geral Álvaro Cunhal. No ano seguinte, é o exílio. Primeiro em Moscovo, "acolhido como herói", segundo a história oficial do PCP. Em 1965, é aí que se realiza o importante VI Congresso do partido, que consagra Cunhal e aprova o relatório que defende a "revolução democrática e nacional antilafundista e antimonopolista" - o famoso Rumo à Vitória - que foi a base política do partido até ao 25 de Abril de 1974 e que só viria a ser alterada no congresso de 1988.

Foram os anos de exílio do líder comunista. Do outro lado da Cortina de Ferro e em Paris, onde se fixou para liderar o PCP "mais de perto". É em França que fica a saber do 25 de Abril.

A "revolução democrática e nacional", com a qual tanto sonhara, podia agora tornar-se realidade.

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