A arte do beijo

É um estado de alma e por isso mesmo um dos atos mais retratados nas artes. Da fotografia à escrita, do cinema à música, o beijo é uma inspiração (quase) omnipresente.
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BEIJO NO HÔTEL DE VILLE, ROBERT DOISNEAU, 1950 (Fotografia)
Françoise Bornet e Jacques Carteaud estavam a namorar num jardim quando, numa tarde de março de 1950, o fotógrafo francês Robert Doisneau lhes perguntou se aceitavam colaborar num portfólio sobre o amor em Paris que ele estava a fazer para a revista Life. Eles eram estudantes de teatro e aceitaram o desafio. Foram passear e namorar pelas ruas da cidade, acompanhados por Doisneau e pela sua máquina fotográfica. O beijo aconteceu na Rua de Rivoli, em frente ao Hôtel de Ville (a câmara municipal). O fotógrafo estava sentado num café e captou o momento. "A foto foi encenada mas o beijo foi real", explicou mais tarde Françoise Bornet. Como agradecimento, Doisneau deu a cada um deles uma impressão da fotografia, assinada por ele. Entretanto, a imagem correu mundo, contribuindo para o mito de Paris como uma das cidades mais românticas. Há milhões de fotografias sem qualquer valor desta imagem. Mas as impressões de Doisneau são especiais: em 2005, Bornet vendeu a sua fotografia num leilão pelo valor de 155 mil euros.

A DAMA E O VAGABUNDO, WALT DISNEY STUDIOS, 1955 (Animação)
Os filmes de animação estão cheios de beijos transformadores. A Bela Adormecida desperta do seu sono profundo quando é beijada pelo príncipe. É também um beijo que quebra a maldição da Branca de Neve. Em A Princesa e o Sapo, a maldição recai sobre o príncipe e é Tiana que tem de beijá-lo apaixonadamente para que ele deixe de ser um animal repugnante. E depois há outros beijos, que são só beijos muitos apaixonados, como os de Flynn e Rapunzel, de Aladino e Jasmin, de Bela e do Monstro. Um dos beijos mais divertidos é do filme A Dama e o Vagabundo. A Dama é uma cadelinha cocker spaniel americano, o Vagabundo é um cão vira-lata. Mas quando se encontram as diferenças sociais não têm qualquer importância. O beijo acontece durante um romântico jantar num restaurante italiano em que estão a comer spaghetti. Ao som do tema Bella Notte.

O BEIJO, GUSTAV KLIMT, 1907-1908 (Pintura)
O abraço fechado. Dois corpos que se tornam um só. Ele beija-a no rosto, ela tem os olhos fechados. O austríaco Gustav Klimt estava no auge do seu "período dourado" quando pintou este quadro que ficou conhecido como O Beijo mas que, na verdade, se chama Liebespaar (Amantes). É um beijo enorme: o quadro tem 180x180 centímetros. Reproduzido em postais, canecas e T-shirts, tornou-se um dos beijos mais populares em todo o mundo. Para adquirir esta tela, em 1908, a Galeria Belvedere, em Viena, na Áustria, pagou 25 mil coroas (o equivalente a 214 mil euros hoje em dia). Pode parecer-nos uma pechincha mas foi um preço elevadíssimo para a época: antes desta compra, o preço mais alto pago por uma pintura na Áustria era de cerca de 500 coroas.

O BEIJO, RODIN, 1883 (Escultura)
Se olharmos com atenção, reparamos que os lábios não se tocam. Mas isso é um pormenor de pouca importância. O beijo está lá. No abraço daqueles dois amantes. Nos seus corpos nus. No toque apenas sugerido. A obra foi esculpida em mármore pelo francês Auguste Rodin. Originalmente, o artista chamou-lhe Francesca de Rimini porque se inspirou na história desta nobre italiana do século XIII (retratada por Dante na Divina Comédia) que se apaixonou pelo irmão mais novo do seu marido Giovanni Paolo Malatesta. Mas, quando os críticos viram a escultura pela primeira vez, em 1887, sugeriram um título menos específico: Le Baiser (O Beijo). Existem outras versões da escultura, mas a original pode ser vista no Museu Rodin, em Paris.

KISS, PRINCE, 1985 (Música)
Em Pretty Woman (Um Sonho de Mulher), quando Julia Roberts está na banheira a ouvir música no seu walkman ela canta Kiss, de Prince. Pode não parecer naquela cena específica mas Kiss é uma das canções mais sensuais de sempre, uma daquelas que põem toda a gente a praticar movimentos ondulantes na pista de dança. Prince era exímio a fazer temas assim. Parece que a editora Warner Bros. não gostava muito da canção e não queria lançá-la como single, mas o músico insistiu para que Kiss fosse o tema de antecipação do seu oitavo álbum, Parade. E não se enganou. Kiss passou pela primeira vez na rádio a 5 de fevereiro de 1986 e foi imediatamente um sucesso - foi a terceira vez que Prince chegou ao primeiro lugar da tabela de vendas norte-americana, depois de When Doves Cry e Let's Go Crazy. No videoclip, Prince dança, seminu, com a bailarina de dança do ventre Monique Mannen. Os corpos mal se tocam mas transpiram sexo por todos os poros. No final, ela dá-lhe um simples beijo no pescoço.

ROMEU E JULIETA, WILLIAM SHAKESPEARE, 1597 (Literatura)
Romeu e Julieta são dois adolescentes que pertencem a famílias inimigas de Verona, em Itália: ele dos Montéquio, ela dos Capuleto. Estão ambos a passar por momentos difíceis nas suas vidas mas assim que se encontram apaixonam-se. Primeiro Ato, Cena 4. Neste primeiro diálogo, Romeu e Julieta usam metáforas relacionadas com a religião - mas os lábios, que são usados para dizer as orações, acabam por beijar-se. "Agora, os teus lábios tiraram os pecados dos meus lábios", diz Romeu. "Então, os meus lábios têm agora os teus pecados?", pergunta Julieta. "Tu encorajas o crime com tua doçura. Dá-me os meus pecados de volta." E beijam-se novamente. Publicada em 1597, a tragédia Romeu e Julieta é uma das peças mais populares do dramaturgo britânico William Shakespeare e transformou-se também numa das histórias de amor mais representadas ao longo dos tempos. O texto mostra como o amor quebra todas as barreiras mas também pode levar à morte: impossibilitados pela família de viver a sua paixão, os dois amantes acabam por se suicidar.

ATÉ À ETERNIDADE, FRED ZINNEMANN, 1954 (Cinema)
Até à Eternidade ganhou vários prémios, incluindo os Óscares de melhor filme, realizador (Fred Zinnemann), ator secundário (Sinatra), atriz secundária (Donna Reed), argumento adaptado, som e montagem. Baseado no romance homónimo de James Jones, From Here to Eternity, o filme de 1954 transporta-nos para a base militar Oahu, no Havai, nas vésperas do ataque japonês a Pearl Harbour. Entre os militares, Milton Harden (interpretação de Burt Lancaster), herói de guerra de conduta habitualmente exemplar, que começa a ter um caso amoroso com a mulher do seu comandante, Karen Holmes (interpretação de Deborah Kerr). Há outras histórias a acontecerem ali - nomeadamente as dos soldados Rober E. Lee (Montgomery Clift) e Angelo Maggio (Frank Sinatra). Mas centremo-nos na história de amor que rapidamente se transforma em algo muito sério: farto de encontros às escondidas, Harden quer assumir publicamente a paixão mas sabe que ao fazê-lo está a pôr em causa a sua progressão no Exército. Esta indecisão é motivo de conflito entre os dois, mas quando se beijam esquecem tudo. É o que acontece por momentos na praia: envolvidos pelas ondas do mar, Milton e Karen beijam-se apaixonadamente, os seus corpos molhados e quase nus, a música de George Duning como banda sonora. "Eu não sabia que podia ser assim", diz ela, depois do beijo. "Nunca ninguém me tinha beijado assim."

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