A arte da sedução

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Nesta semana almocei com dois banqueiros espanhóis que, como é natural, coincidem nas suas preocupações sobre a situação económica. São preocupações que poderiam ser perfeitamente extensíveis a Portugal, pois os dois países terão em breve eleições legislativas. A mais importante é que os novos governos, no caso de não terem a mesma ideologia que os atuais, desfaçam as reformas nos mercados financeiros e laborais impulsionadas pela crise e sugeridas pela troika. O segundo motivo de inquietação é que persista durante muito tempo a política monetária expansiva, que tem um claro efeito dissuasório na vontade dos governos de liberalizar mais as economias e levar a cabo mudanças que rompam o status quo, incomodem os grupos de pressão ou acarretem riscos eleitorais. Eu acrescentaria que temos uma ameaça maior no horizonte. Trata-se do pensamento mágico da esquerda. Depois de, durante a sua estada no poder, ter feito todos os possíveis para prejudicar a economia que a direita conseguiu recuperar impulsionando de novo o crescimento, agora que tem possibilidade de voltar a dirigir os dois países, por diversas razões como o cansaço da população com os sacrifícios impostos, a corrupção ou outras questões, o pensamento mágico e perigoso da esquerda é que preservar o equilíbrio financeiro deixou de ser uma prioridade. Que o principal problema da economia é a desigualdade e que a sua solução passa pelo aumento da despesa e uma maior redistribuição dos recursos. Mas uma estratégia deste tipo seria um erro.

Se a crise demonstrou alguma coisa foi que Espanha, por exemplo, sofreu nos últimos anos de um problema endémico de competitividade. Um problema atávico. O crescimento dos custos laborais na década anterior à grande recessão foi explosivo. Bastante mais elevado que o da Alemanha. Para evitar a catástrofe foi necessário provocar uma desvalorização de salários dolorosa mas inevitável. O mesmo aconteceu em Portugal. Havia que recuperar com urgência o terreno perdido e ganhar rapidamente quota de mercado. O resultado é que agora temos o nível mais alto de exportações em relação ao PIB. Nesta nova etapa, a tese dos socialistas e do resto da esquerda é que há que aumentar os salários e estimular a procura interna. Mas o que estes aprendizes de feiticeiros ignoram é que uma procura interna maior não se traduz necessariamente num incremento das vendas das empresas espanholas ou portuguesas. Como os consumidores felizmente são livres, como o mercado é a forma de democracia direta mais subtil e correta criada pela humanidade, os consumidores escolhem todos os dias bens e serviços que tenham a melhor relação qualidade-preço. A única garantia de que estes sejam os próprios é que as nossas empresas sejam competitivas. O contrário, que acontece com frequência, apenas fomentaria as importações aumentando o défice externo. E a única maneira de sermos competitivos é manter um controlo rigoroso sobre os custos, que devemos conservar abaixo dos dos nossos concorrentes.

A esquerda e, inclusive, a direita também estão encantadas com a política monetária expansiva. A razão é que assim estão menos obrigadas a tomar medidas corajosas e ambiciosas. Por exemplo, a decisão da Reserva Federal de manter as taxas de juro no mínimo histórico foi saudada com um aplauso geral. São poucos os que, na Europa, duvidam da necessidade de o Banco Central Europeu continuar a injetar liquidez no mercado. Eu não tenho ciência suficiente para discutir um acordo que apenas registou um voto contra de todos os membros do Conselho de Governadores de Washington. Estou convencido de que a debilidade da economia chinesa, a fragilidade dos países emergentes - castigados pelos baixos preços das matérias-primas e o seu desperdício antes da crise -, assim como a volatilidade dos mercados de rendimento fixo e variável, aconselhavam, talvez, a um período adicional de cautela. Mas tenho a impressão de que estamos a voltar a acender o rastilho de uma nova bolha. O dinheiro barato vicia. Como o álcool e o tabaco. É uma droga da qual é difícil afastarmo-nos e que exige um processo de reabilitação penoso. Os dois banqueiros com quem almocei concordam em que a expansão monetária foi primordial para enfrentar a grande recessão, mas não conseguiu um crescimento económico vigoroso nem tão-pouco alimentar uma inflação razoável que reduza o custo da dívida. Além do mais, o setor financeiro vive mal se o preço do dinheiro for ridículo. Procurar a rentabilidade nestas condições torna-se difícil e impede que se lubrifique o sistema com crédito, algo fundamental para que a economia funcione. As taxas de juro baixas durante tanto tempo dissipam o cálculo de risco e dirigem o investimento para setores pouco competitivos impedindo o crescimento da produtividade, que é a essência do progresso. Taxas de juro baixas geram incentivos nocivos para o endividamento e convidam a correr riscos inapropriados, os mesmos que nos conduziram à grande recessão. Promovem também, e isto é mais perigoso, o conservadorismo dos governos, que preferem que o trabalho duro seja feito pelos outros. A conclusão dos meus dois amigos é que uma política monetária expansiva pode funcionar como medida de último recurso. Não é bom que se converta num hábito porque é incapaz por si só de substituir a criação de riqueza empresarial que se consegue por via natural da oferta, estimulando a inovação e a livre concorrência.

Pode ser que esteja enganado, mas acredito mais na política de reformas do que nos estímulos monetários permanentes. A forma sã de crescer não é com políticas keynesianas de procura, mas sim gerindo a oferta. Não é fortalecendo o Estado-providência, fazendo disparar a despesa ou aumentando a redistribuição dos recursos com ideias peregrinas como a de estabelecer um rendimento básico indiscriminado para todos os cidadãos, mas sim abrindo a economia, ganhando competitividade e atraindo diariamente os consumidores. Os de Espanha e Portugal e os do resto do mundo.

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