A aposta do Sporting no goalball já está a dar frutos no Europeu
A cidade da Maia é, por estes dias, a capital europeia do goalball. "As pessoas abordam-nos na rua, perguntam porque é que estamos com o equipamento de Portugal, até já convencemos algumas a aparecer no dia seguinte. Tem sido excelente para a divulgação da modalidade", relata ao DN Márcia Ferreira, selecionadora nacional feminina deste desporto para atletas invisuais, entre os compromissos da sua equipa no Europeu que está a ter lugar no nosso país.
A realização do evento em solo nacional permitiu à seleção feminina estrear-se nestas andanças. Márcia Ferreira, há mais de oito anos ligada à vertente masculina, aceitou o desafio de criar uma equipa de raiz. "Começámos a trabalhar apenas há sete ou oito meses para apresentar aqui uma seleção. Os resultados nesta prova não estão a ser os melhores, mas já sabíamos que ia ser complicado. É apenas o início de um longo trabalho", explica a treinadora, que vai acumular o cargo com o comando técnico da nova formação feminina do Sporting.
Esta aposta recente dos leões tem sido decisiva para o desenvolvimento do goalball em Portugal. No ano passado, a equipa masculina sagrou-se campeã nacional na época de estreia. O clube investiu na contratação de algumas estrelas, como o lituano Genrik Pavliukianec (considerado por muitos o melhor jogador do mundo) ou o brasileiro Leomon Moreno.
O sucesso foi tal que, impulsionado pela ideia de servir de base a esta nova seleção, o Sporting decidiu avançar para a criação de uma equipa feminina. A turca Sevda Altunoluk, campeã olímpica em 2016 e melhor marcadora nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, foi uma das primeiras contratações. A sua experiência será muito importante para esta formação que, por enquanto, irá competir no campeonato masculino.
É lá que irá medir forças com a equipa masculina dos leões, liderada por Paulo Fernandes. Curiosamente, é também ele o selecionador nacional masculino. "Sabemos que as melhores seleções do mundo treinam em conjunto e estamos a tentar replicar esse modelo no Sporting", atira. "Um clube desta dimensão dá-nos condições de treino e ajuda-nos a divulgar a modalidade", assinala este professor de educação física. Paulo Fernandes dedica-se ao goalball "por amor à camisola", já que o que recebe "nem sempre chega para o gasóleo".
Mais exigente do que parece
O goalball é uma modalidade paralímpica criada na sequência da Segunda Guerra Mundial, com o intuito de ajudar os veteranos que perderam a visão durante os combates. No campo, 9 metros de largura por 18 de comprimento (como no voleibol), competem em conjunto atletas (equipas de três elementos) com diferentes graus de deficiência visual. Todos utilizam tampões oculares e viseiras opacas para assegurar igualdade. Isto permite que haja pessoas sem problemas de visão a disputar a modalidade - é prática comum em Portugal, tanto para ajudar nos treinos como para aumentar o número de jogadores. Muitos acabam por se apaixonar pelo jogo, como aconteceu com Paulo Fernandes, quando decidiu competir para aprofundar os seus conhecimentos.
As bolas, que são lançadas com a mão, estão equipadas com um dispositivo sonoro que permite aos jogadores identificar a sua trajetória. Por isso, o silêncio no pavilhão é fundamental. "Por vezes os árbitros têm de chamar a atenção do público, mas ao fim de um ou dois avisos as pessoas apercebem-se. Manifestam-se apenas entre os pontos", sublinha Paulo Fernandes. O objetivo é marcar golos na baliza adversária, disposta a toda a largura do campo. As bolas pesam 1,250 kg, o que torna este jogo mais exigente. "Há atletas a rematar a 120 km/h. Como deve compreender, levar com uma bola dessas dói. É preciso muita técnica. Basta uma imprecisão para sermos atingidos na cara", afiança o treinador. A capitã da seleção portuguesa confirma-o. "É muito exigente em termos físicos. Estamos sempre a deitar, levantar, rematar... Trabalhamos todos os grupos musculares", destaca Maria João Moniz, uma das mais antigas praticamentes de goalball em Portugal. É também por isso que existem poucas jogadoras femininas. "As mulheres pensam que com estas bolas é só lesões, mas não é bem assim", argumenta. A verdade é que, ainda no ano passado, Maria João teve de competir numa equipa mista.
A disputa do Europeu em Portugal "é um fator de motivação extra" para Maria João, certa de que a entrada do Sporting vai ajudar a cativar mais mulheres - e homens - para este desporto. Até porque esta é uma boa forma de promover a inclusão, não só pelo convívio mas também pelas competências que ajuda a desenvolver. "Orientação espacial, rapidez, movimento. É uma ajuda no dia--a-dia. Ganhamos autonomia", assegura Maria João.
Os projetos de Paulo e Márcia têm um objetivo no horizonte: levar o goalball português aos Jogos Paralímpicos de Tóquio em 2020. "Gosto de colocar a fasquia elevada. Vamos trabalhar nesse sentido. Se não for nestes, tentaremos os seguintes", afirma Paulo, que viu a sua seleção falhar por pouco a permanência no Grupo B Europeu.