A anatomia de um justo 35
"Queremos o tri e a tua ambição, bem-vindo a casa, Rui." Palavras de Luís Filipe Vieira a 15 de junho de 2015, quando Rui Vitória foi apresentado como treinador, com a pesada responsabilidade de substituir Jorge Jesus, que trocou a Luz por Alvalade depois de dois campeonatos consecutivos e seis épocas no clube.
O 35, o tricampeonato conquistado ontem (39 anos depois), foi um sonho que a determinada altura pareceu uma miragem. Entre a oitava e a 13.ª jornada, a diferença pontual para o Sporting chegou a ser de sete pontos. Tudo foi colocado em causa e Rui Vitória esteve com um pé na rua. As provocações vindas de Alvalade eram uma constante e os críticos pediam mudanças a Luís Filipe Vieira.
Mas Vieira não mudou. Manteve a confiança no "seu" treinador e a balança começou a equilibrar-se à 14.ª jornada, quando o Sporting perdeu com o U. Madeira e a diferença baixou para cinco pontos, que passaram a dois à 18.ª ronda, após o empate dos leões em Arouca. A viragem definitiva aconteceu à 25.ª jornada, com uma vitória (1-0) em Alvalade, no único clássico ganho por Vitória neste campeonato. O Benfica passou a líder isolado com dois pontos de vantagem. Situação que se manteve até ontem, dia do final da Liga, em que o Benfica festejou o 35. º título, o quinto sob a presidência de Luís Filipe Vieira.
Há nesta conquista muitos méritos. Ao presidente a escolha, a confiança no treinador e a visão de ter contratado jogadores determinantes. Mas porventura a maior fatia tem de ser atribuída a Rui Vitória, o treinador e responsável pelas (muitas) apostas em jovens.
Renato Sanches é o rosto dessa aposta. Um jovem médio que foi essencial na recuperação e na extensão do jogo do Benfica dentro do campo. O culminar de uma grande época valeu-lhe uma transferência para o poderoso Bayern de Munique. Lindelöf foi outro caso de sucesso, central que fez esquecer Luisão e Lisandro e que vai estar no Europeu. Noutro patamar, Nélson Semedo e Gonçalo Guedes, que a determinada altura foram primeiras escolhas e chamados à seleção por Fernando Santos.
Rui Vitória significou uma mudança de paradigma, ao apostar nos talentos made in Seixal, algo que Jesus sempre desdenhou - com Vitória os miúdos não tiveram de nascer dez vezes. E as apostas foram ganhas. Até na baliza, quando Júlio César se lesionou e Ederson foi lançado em Alvalade.
Depois, claro, poder contar com uma dupla atacante como Jonas e Mitroglou (52 dos 88 golos do Benfica no campeonato) e ter no banco Jiménez, ajudou muito. Tal como foi fundamental a segurança de Jardel na defesa, a geometria de Fejsa no meio-campo, a explosão de Pizzi e a magia de Gaitán.
Rui Vitória foi campeão vencendo só um clássico. Mas os números do 35.º título do Benfica não deixam margem para questionar a justiça da conquista: a equipa bateu o recorde absoluto de pontos no campeonato português (88), que pertencia a José Mourinho (2002-03, 86); marcou 88 golos (52 em casa), superando os 86 da época anterior com Jesus; somou 12 vitórias consecutivas (entre a 23.ª e a 34.ª jornada) e empatou apenas uma vez. Só não foi a melhor defesa, um registo que ficou na posse do Sporting - 21 contra 22 do Benfica.