A ameaça do destemido Matteo Salvini à ordem estabelecida da UE

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A UE enfrenta dois desafios existenciais: um de Donald Trump e outro de Matteo Salvini, líder da Liga, partido da extrema-direita italiana. A ameaça representada pelo presidente dos EUA é óbvia, direta e brutal.

As tarifas comerciais para os carros europeus serão provavelmente uma realidade. A UE está a pagar o preço pela sua dependência excessiva dos EUA como absorvente de excedentes de exportação e pela segurança externa.

Mas a ameaça representada por Salvini pode ser mais forte, apesar de não ser tão direta. Desde que concordou em se unir em coligação com o Movimento Cinco Estrelas, ele tomou duas decisões politicamente astutas: a primeira foi suspender a conversa sobre uma saída de Itália do euro. A segunda é usar o seu papel de ministro do Interior como um púlpito para um discurso agressivo, o que tem feito com um sucesso aterrorizador.

A Itália está a fazer um jogo de polícia bom e polícia mau com a UE. O senhor Salvini é o polícia mau. O polícia bom é Giuseppe Conte, primeiro-ministro de Itália. Ele conseguiu um mau acordo do Conselho Europeu, que concordou com algumas pequenas medidas bem aquém do que ele exigia. A UE comprometeu-se a criar campos de refugiados dentro das suas fronteiras externas e irá destinar mais recursos à proteção da periferia. E os barcos de organizações não-governamentais terão mais dificuldade em apanhar refugiados.

Mas Conte não conseguiu nada em relação à principal exigência italiana para reformar o regulamento de Dublin - as regras que atribuem a responsabilidade pelos refugiados ao primeiro país europeu de chegada. Sem surpresa, Salvini reagiu com ceticismo ao resultado da cimeira. A crise não acabou. Ainda estão por tomar todas as decisões difíceis sobre imigração.

Para os populistas da UE, este é um terreno fértil. Uma das razões pelas quais a insurreição grega de esquerda contra a ordem estabelecida da UE falhou em 2015 foi a falta de aliados. Os populistas da direita têm uma estratégia diferente. Eles trabalham a partir de dentro da UE formando alianças. A sua ambição é assumir as instituições da UE e destruí-la a partir de dentro. Salvini está de olho nas eleições europeias de maio de 2019 e as suas hipóteses parecem boas.

É possível que os principais grupos de centro-esquerda e centro-direita do Parlamento Europeu sejam aniquilados por dois adversários. Um deles poderá ser um novo grupo liberal pró-europeu, liderado por Emmanuel Macron, presidente de França. O outro poderá ser um grupo variado de populistas e nacionalistas. Eles poderão encenar uma aquisição do Partido Popular Europeu, o grupo de centro-direita. Ou unirem-se num partido europeu independente. De qualquer forma, eles encontrarão maneiras de afirmar a sua influência.

Ouve-se com frequência o argumento de que os populistas em Itália, na Áustria e na Baviera têm interesses incompatíveis. Os alemães querem reenviar os refugiados para Itália. Os italianos querem despejar os deles na Alemanha. E a Áustria não quer que os imigrantes passem em nenhuma das direções.

Mas a referência a interesses em conflito deixa de lado o ponto mais importante: os populistas estão unidos no seu desejo de renacionalizar a política. Isso pode acontecer de duas maneiras. Eles podem ganhar as eleições europeias, o que lhes permite ter uma palavra a dizer sobre o próximo presidente da Comissão e uma mão na alavanca do poder nas instituições da UE. Ou os centristas podem capitular e concordar com uma renacionalização parcial da política de imigração, com todas as implicações negativas que isso teria para as fronteiras abertas. Uma política de migração abrangente a nível da UE seria a melhor solução para todos. Mas esse, contudo, é o resultado menos provável.

Prevejo também que a Itália, com Salvini como copiloto, se torne mais assertiva noutras áreas e desafie o domínio franco-alemão em todos os aspetos da política europeia. No passado, a Itália era motivada pelo medo do isolamento. O país concordou muitas vezes com legislação que ia contra o interesse nacional. Exemplos deste autossacrifício incluem as regras subjacentes ao Mecanismo Europeu de Estabilidade ou a diretiva de recuperação e resolução bancárias.

O que torna tão poderosa a ameaça de Salvini à ordem estabelecida da UE é a sua audácia. Ele é o primeiro político italiano moderno sem uma necessidade emocional de estar entre amigos em Davos ou Bruxelas. E enquanto os líderes mais experientes da UE conseguiram ludibriar o relativamente inexperiente Giuseppe Conte, a realidade política é que Salvini pode acabar com a coligação a qualquer momento. Provavelmente irá esperar até depois das eleições europeias do próximo ano.

É preciso lembrar que Itália é o país onde as duas crises da UE se juntaram - a da imigração e a da zona euro. A maioria dos italianos ainda apoia a UE, mas o euroceticismo está a aumentar. A UE terá de apresentar soluções para ambos os problemas e não apenas tapar buracos como fez na semana passada.

O problema com a UE é que a sua estabilidade depende de pessoas como Salvini e Trump nunca chegarem ao poder. Corre o risco de se tornar a República de Weimar dos nossos tempos - uma construção adequada apenas para um clima político moderado.

© 2018 The Financial Times Limited

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