A alt-left citada por Trump não existe nos EUA
Donald Trump demorou dois dias para dizer claramente que os violentos protestos de sábado em Charlottesville, nos quais morreu uma pessoa, tinham sido protagonizados por brancos supremacistas e neonazis. Mas na terça-feira o presidente dos Estados Unidos voltou a incendiar a opinião pública e política ao falar de extrema-direita (alt -right) e não de supremacistas e tentar dividir as culpas do que se passou com outros, criando mais uma nova dor de cabeça para a equipa de comunicação da Casa Branca, que passou agora a ser liderada por Hope Hicks, de 28 anos.
"E então a extrema-esquerda (alt-left) que atacou a, como vocês dizem, extrema-direita? Eles têm alguma culpa?", questionou Trump. Houve "culpa dos dois lados", prosseguiu. "Disso não tenho dúvidas". Este comentário foi elogiado por David Duke, antigo líder do Klu Klux Klan, a mais conhecida organização de supremacistas brancos de extrema-direita dos EUA. "Obrigado presidente Trump pela sua honestidade & coragem em dizer a verdade sobre #Charlottesville & condenar os terroristas de esquerda da BLM/Antifa", escreveu no Twitter.
Se existe um consenso geral de que nos Estados Unidos a chamada alt-right é um movimento de extrema-direita baseado numa ideologia de supremacia branca e antissemitismo, esse consenso já não se verifica quando se fala daquilo a que Donald Trump chamou de alt-left, exceto de que está longe de ser o antónimo de alt-right.
Mark Pitcavage, analista da Liga Anti-Difamação, organização que combate o antissemitismo, explicou ao The New York Times que essa expressão foi inventada para criar uma falsa equivalência entre a extrema-direita e "qualquer coisa vagamente de esquerda da qual eles não gostam". "Não surgiu de forma orgânica e não se refere a nenhum grupo, movimento ou rede existentes. É apenas um epíteto inventado, semelhante a certas chamarem a quaisquer notícias que não gostam de notícias falsas", explicou o mesmo especialista.
Durante a campanha presidencial, a expressão alt-left foi também muito usada por sites ligados à alt-right como o World Net Daily, mas também pelo comentador da Fox News Sean Hannity e pelo próprio Donald Trump, muitas vez para caracterizar elementos mais radicais do Partido Democrata, como por exemplo Bernie Sanders, o opositor de Hillary Clinton nas primárias.
Na sua mensagem David Duke, o antigo líder do KKK, referiu-se a dois movimentos em concreto: a Black Lives Matter (BLM) e a Antifa. O primeiro teve início em 2013 após a morte do jovem negro Trayvon Martin na Florida por um polícia branco, ganhando projeção nacional e internacional nos anos seguintes, e mantendo sempre distância dos anarquistas de extrema-esquerda.
O segundo, que deve o seu nome à contração das palavra anti e fascista, teve origem na Europa, nos anos 1930, e luta contra radicais de extrema-direita, tendo surgido nos Estados Unidos nos anos de 80, quando a alt-right começou a ganhar projeção. Alguns dos membros da Antifa são conhecidos por entrarem em confronto físico com supremacistas brancos, sendo chamados de alt-left por estes. Mas para os analistas comparar neonazis e antifas é um falso paralelo.
Monstruosidades
Vários republicanos foram claros no seu desagrado em relação às declarações do presidente. O líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, emitiu um comunicado que não mencionava Trump pelo nome, mas referia que "mensagens de ódio e fanatismo" dos supremacistas brancos, do Klu Klux Klan e grupos neonazis não devem ser bem recebidas nos EUA. "Isto é terrível. O presidente dos Estados Unidos precisa de condenar este tipo de grupos de ódio. Não fazê-lo dá a estas organizações um sentimento de vitória e autoriza-os a organizar mais eventos", declarou John Kasich, governador do Ohio e um dos opositores de Trump nas primárias. Os antigos presidentes George H. W. Bush e George W. Bush declararam num comunicado conjunto: "A América deve rejeitar sempre a intolerância racial, o antissemitismo e o ódio em todas as formas".
As palavras de Trump também chegaram à Alemanha e Reino Unido. "A banalização da violência nazi pelas mensagens confusas de Donald Trump é perigosa", declarou Martin Schulz, líder do SPD e candidato a chanceler nas eleições de setembro. "Não devemos tolerar as monstruosidades que saem da boca do presidente", prosseguiu o ex-presidente do Parlamento Europeu. Também a primeira-ministra britânica afirmou esta quarta-feira não poder comparar fascistas aos que se opõem a eles, uma rara declaração feita por Theresa May contra Trump. "Não há equivalência, não vejo equivalência entre os que apresentam visões fascistas e os que se opõem a eles e penso que é importante que todos em posições de responsabilidade condenem visões de extrema-direita onde quer que as ouçamos", sublinhou May.