A alfarrabista que sonha criar o bairro dos livros
Nunca se imaginou no ramo. E, de repente, viu-se no meio de uma imensa floresta de palavras. Milhares de obras de outros tempos, que continuam a fascinar os leitores dos dias de hoje. Com outros jovens alfarrabistas, Cláudia Ribeiro pretende fazer, na cidade do Porto, o "bairro dos livros".
A ideia ganha forma. Livreiros, que abriram nos últimos anos casa num dos pontos mais povoados de alfarrabistas e livrarias da cidade, têm um projecto para transformar essa geografia bem conhecida dos bibliófilos no "bairro dos livros". A proposta foi bem acolhida pela autarquia, mas - devido talvez à conjuntura de crise - sem verba de momento para a apoiar.
Os promotores do projecto nem pedem muito. Gostariam de ver animada a zona de Mártires da Liberdade, Carlos Alberto, Cedofeita e área envolvente. Ou seja, acrescentar algo para dar uma maior visibilidade para uma das suas marcas: o livro antigo. É nesta parte do Porto que se encontra, há quase cem anos, a Livraria Académica, um dos históricos alfarrabistas portuenses, a Poetria, ou, mais recentemente, a Livraria Modo de Ler.
Uma feira do livro antigo numa das ruas ou praça da zona, com regularidade, palestras, lançamentos de livros, encontros com escritores são algumas das iniciativas que Cláudia Ribeiro e outros alfarrabistas vão dinamizar.
Nunca se imaginou no ramo dos livros, repete. No entanto, um convite de uma amiga, há 14 anos, mudou-lhe a vida. "Apaixonei-me pelo negócio. Trabalho 12 horas por dia e sempre satisfeita", diz Cláu- dia Monteiro. Começou na Zarco, na Travessa de Cedofeita, que entretanto fechou e o espaço seria ocupado pela Lumière. A livraria que a Cláudia e a irmã, Alexandra Ribeiro, gerem há uma década.
Licenciada em Psicologia, mas isso é uma parte esquecida na sua biografia, por volta das 07. 30 já se encontra a trabalhar na livraria, que dá maior destaque a obras de teatro e filosofia, sem esquecer as áreas da Literatura e da História. Quantos livros dispõe a Lumière? Cláudia Ribeiro não sabe responder, além da casa na Travessa de Cedofeita há um enorme armazém, que abastece regularmente com a aquisição de bibliotecas particulares.
Sabe, isso sim, o título do livro mais antigo que, de momento, dispõe. É uma Bíblia impressa em 1504, e quem a levar para casa terá de pagar "4950 euros". Há um interessado, cliente habitual, que "a anda a namorar". Por vezes, lembra a alfarrabista, os namoradores ficam decepcionados: voltam no dia seguinte e a coisa amada entretanto foi levada por outro.
Em dez anos, a Lumière tem os "seus leitores fiéis", alguns passam todos os dias à procura de novidades nas velhas publicações. Uma das marcas da casa, diz Cláudia Ribeiro, "é a qualidade das edições, o estado do livros".
Entre os clientes conhecidos, que passam e se demoram no alfarrabista da Travessa de Cedofeita, está o antigo procurador-geral da Re-pública, Souto de Moura, ou o escritor Mário Cláudio. Outros nomes conheceram a livraria pelo seu catálogo na Internet e fizeram-se clientes: é o caso de Marcelo Rebelo de Sousa, Freitas do Amaral ou José Miguel Júdice.
E que lê a mulher que vende livros antigos? Ensaio e biografias. "Sobre a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto já li muito." E quem são os autores portugueses que Cláudia Ribeiro, 37 anos, mais admira. Dois, sem hesitar: Miguel Torga e Vergílio Ferreira.