A aldeia de Zuckerberg: viver, trabalhar e respirar Facebook

Dono da rede social mais utilizada no mundo quer uma vila para os seus colaboradores. Especialistas discutem vantagens e perigos
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Em 2021, o Facebook planeia ter completado a construção de um complexo residencial e comercial nos terrenos que envolvem a sua sede, em Menlo Park, Califórnia. Serão 1500 habitações, mais espaço de escritório e 12 mil metros quadrados para retalho, incluindo mercearia e farmácia, naquilo que será chamado "Willow Campus." Não é que a rede social de Mark Zuckerberg queira entrar no ramo imobiliário; o que pretende é criar a sua própria vila, onde os colaboradores possam viver, ir às compras e trabalhar.

Este mega projeto deu entrada em julho na Câmara Municipal de Menlo Park, uma pequena cidade com cerca de 34 mil habitantes a 50 quilómetros de São Francisco. O Facebook mudou-se para lá em 2011, quando ocupou a antiga sede da Sun Microsystems, entretanto adquirida pela Oracle. Há dois anos, Zuckerberg inaugurou com pompa e circunstância um segundo edifício, MPK20, desenhado pelo famoso arquiteto Frank Gehry. E agora a expansão vai continuar para território desconhecido - um empreendimento de que poderá albergar 11 mil colaboradores. Isto significa que o Facebook é o maior empregador de Menlo Park e os seus trabalhadores irão equivaler a quase um terço da população total.

"Trabalhando com a comunidade, o nosso objetivo para o Willow Campus é criar uma aldeia integrada, de uso misto, que fornecerá serviços muito necessários, habitação e soluções de trânsito, além de espaços de escritório", explicou o vice-presidente de instalações e imobiliário do Facebook, John Tenanes. "Parte da nossa visão é criar um centro para o bairro que ofereça serviços comunitários há muito esperados."

O plano de construir residências para os seus trabalhadores enquadra-se numa crise de arrendamento que se tem agravado de forma exponencial nos últimos anos. As rendas em São Francisco, São José e comunidades adjacentes - como Menlo Park - atingiram valores incomportáveis e obrigaram muitas das pessoas que trabalham em Silicon Valley a viver cada vez mais longe. Isto, por sua vez, agravou o já crónico problema de engarrafamentos em direção a São Francisco.

"As residências são de importância crítica neste esforço", sublinhou Tenanes, referindo que 15% das 1500 casas que serão construídas vão ter rendas abaixo do preço de mercado.

No ano passado, o Facebook criou um fundo de 18,5 milhões de dólares (cerca de 15,5 milhões de euros) em parceria com grupos da comunidade, Catalyst Housing Fund, precisamente para endereçar o problema das rendas exorbitantes. Ainda assim, o complexo residencial vai abranger apenas uma porção dos trabalhadores da empresa na zona.

Há dois anos, foram criados 64 mil novos empregos na área e apenas 5 mil novas casas. Embora o Facebook tenha sido um dos responsáveis por esta escalada das rendas, juntamente com outras empresas que cresceram rapidamente em Silicon Valley (como a Uber), o problema está a afetar os seus planos.

Para atrair os melhores talentos, é preciso proporcionar qualidade de vida, e isso está difícil numa zona em que uma casa com duas assoalhadas custa cinco mil dólares (ou mais) por mês, aliado a horas no trânsito para percorrer pequenas distâncias.

A Google, que tem a sede Googleplex ali ao lado, em Mountain View, está a tentar concretizar um projeto de construção de habitações para os empregados. A Apple, que ocupa 60% do espaço de escritórios disponível em Cupertino, inaugurou recentemente a sua nova sede, um mega empreendimento apelidado de "nave espacial." Não tem zona de habitação para os empregados, mas tem um parque de estacionamento gigantesco que dá para mais de 11 mil carros.

Poupança de tempo e stress

O que esta aldeia do Facebook tem de diferente é a dimensão e a proximidade. Os seus trabalhadores vão viver, fazer compras e trabalhar no mesmo sítio, uma mini-cidade criada especificamente pelo empregador. Até que ponto isto é vantajoso? O sociólogo Paulo Peixoto, investigador no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, considera que tem mais benefícios que desvantagens. E lembra: a ideia do Facebook não é propriamente pioneira.

"Nos tempos da primeira revolução industrial era muito normal que as grandes indústrias fizessem os próprios bairros", diz ao DN o investigador, lembrando o papel que as empresas que construíam linhas férreas e estações de comboio tiveram na construção de vilas para os seus operários. Estes meios residenciais eram vistos de fora com inveja, porque se afirmavam como um estilo de vida diferenciado e valorizado. "As pessoas que iam para lá tinham melhores condições de vida. Os filhos tinham escolas, acesso a produtos de beleza e a meios que quem não vivia naquelas vilas não tinha", indica o sociólogo.

Agora, Zuckerberg pretende fazer o mesmo. "A ideia do Facebook foi criar um aspeto diferenciador num campo onde o poderia criar. Estas empresas hoje precisam disto para se afirmarem como as melhores empresas do mundo, porque numa zona onde há muita oferta precisam de ter os melhores funcionários", refere.

É, tal como os restaurantes gratuitos do Google, também uma questão de imagem. "Importa compreender que, quando estamos a falar de uma empresa tão mediática como o Facebook, qualquer iniciativa é também uma mensagem para o mercado e pode muitas vezes ser apenas isso", salienta ao DN Miguel Agostinho, director executivo da Associação Portuguesa de Facility management (APFM). "É preciso considerar que grande parte dos seus trabalhadores não são pessoas nascidas e criadas em São Francisco, nem mesmo na Califórnia. O mercado de trabalho onde o Facebook recruta é global pelo que implica que os seus colaboradores tenham de se mudar das suas cidades ou países para irem trabalhar para Menlo Park."

As vantagens, diz o executivo da APFM, são a redução ou eliminação do tempo de viagem de casa para o trabalho e vice-versa. "Isto tem um enorme impacto a diversos níveis: é poupança de tempo e stress, é também uma enorme redução de poluentes e consumo de combustível e fará mesmo algumas pessoas refletirem sobre a necessidade de terem carro."

O sociólogo Paulo Peixoto tem uma visão muito semelhante à de Miguel Agostinho: "Os funcionários do Facebook tenderão a ver isso como uma vantagem. Eliminam aquele lado da mobilidade compulsiva, a que são obrigados a fazer." São resolvidos problemas de cidades como São Francisco e Los Angeles, desde a poluição ao tráfego e à criminalidade. "É um pouco uma certa descrença na ideia de que as cidades funcionam", diz. "A ideia de que para o lado urbano ser funcional as coisas têm de ser construídas de raiz."

O fim das fronteiras entre o tempo pessoal e de trabalho

Se é verdade que há um aumento da qualidade de vida pela eliminação das deslocações, também é verdade que os trabalhadores podem ficar presos numa autêntica bolha temática.

"Poder-se-á dizer que não existe verdadeiramente uma separação entre aquilo que é trabalho e família, convívio com os amigos, lazer", sublinha o investigador Paulo Peixoto. "Isso é verdade, mas por outro lado, grande parte das críticas que se fazem hoje ao trabalho e ao emprego é que as pessoas levam trabalho para casa. Com o uso das tecnologias, há uma criação de uma comunidade que trabalha e reside no mesmo sítio." Ou seja: mesmo quando se vive fora do complexo onde se trabalha, a tecnologia tornou quase impossível as fronteiras entre o tempo pessoal e o de trabalho.

"Se a "mini-cidade" a construir for numa zona fora da malha da cidade que tem vida, então sim, cria-se um mundo à parte onde as pessoas invariavelmente vão repetir os locais de lazer e mesmo, eventualmente, até misturar os locais de lazer com os de trabalho dificultando o shut down", adverte o executivo da APFM Miguel Agostinho.

Em cidades que foram construídas à volta de indústrias, como Detroit em torno do mercado automóvel, o perigo reside na mono-funcionalidade. "Não é tanto a questão da tematização, mas acabam por ficar cidades muito dependentes de um tipo", refere Paulo Peixoto. "A verdade é que quando aquele tipo de indústria acaba por ruir, a cidade muito rapidamente entra numa espiral de depressão." Por agora, ninguém espera que isso aconteça com o Facebook, que ultrapassou há pouco tempo os dois mil milhões de utilizadores mensais e teve receitais de 27 mil milhões de dólares em 2016.

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