A agenda de Costa e a maçã podre militar

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Habilidade política é uma característica do primeiro-ministro e secretário-geral do Partido Socialista. Na entrevista que deu, no arranque deste semana, à RTP, António Costa mostrou ao que vem: maioria absoluta é o seu desígnio. Em nome da estabilidade, não fugiu ao tema e pediu um reforço da votação num futuro governo PS, garantindo que "não é perigoso" dar uma maioria absoluta a um próximo Executivo por si liderado. "Acho que ninguém tem medo da minha ação e da forma como governamos. Ninguém terá dúvidas de que o Presidente da República não deixará de estar atento ou que a comunicação social estará atenta", afirmou na entrevista. No que toca aos media, garantidamente que não. No que diz respeito à análise da narrativa que utilizou, se, até aqui, o primeiro-ministro falava apenas de uma "maioria reforçada", agora, e cavalgando a necessidade de estabilidade política em prol da estabilidade da nação, já não se inibe de usar o termo "absoluta".

A morte da "geringonça" terá reforçado também essa sua convicção. Depois do pântano, precisa-se de um oceano tranquilo para a governação, seja à esquerda ou à direita. As últimas sondagens dão vantagem à esquerda, mas António Costa, usando uma vez mais da sua habilidade política na mesma entrevista, também não fechou a porta a uma aliança com o PSD. Paulo Rangel, candidato à liderança do PSD e que se movimenta já no terreno como candidato a primeiro-ministro, não perdeu tempo e logo respondeu ao governante dizendo que, com ele a liderar os sociais-democratas, não haverá casamento com os socialistas. Será? A política dá muitas voltas e o país também. Desde hoje até 30 de janeiro (data das eleições legislativas), face ao ambiente de crise económica e política e com uma nova vaga de covid -19 à porta (a chegar ainda este mês?) - e a terceira dose da vacinação atrasada -, as regras do jogo podem mudar e o plantel que vai entrar em campo também. Sabendo disso, logo António Costa avançou que, "mesmo com a maioria, nós nunca deixaremos de negociar". É curioso como, em poucos dias, desapareceu aquela frase do primeiro-ministro em que disse que mal estaria o governo se dependesse do PSD. Agora, há uma disponibilidade que não existiu em 2019, apesar de sublinhar que os seus parceiros preferidos continuam a ser da esquerda. Mas, como ressuscitar a "geringonça" será quase impossível, Costa vê-se obrigado a olhar o restante espetro político. Ainda assim foi cauteloso na forma como admitiu um diálogo à direita. Sabe que, se for muito longe no piscar de olho ao PSD, será penalizado dentro do próprio universo da esquerda, perdendo votos. Costa foi igualmente cuidadoso ao não responsabilizar o Presidente pela dissolução do Parlamento. Pelo contrário, enalteceu a sintonia de posições.

Nota final para a situação vivida nas Forças Armadas. A revelação do tráfico de diamantes em África envolvendo militares das forças especiais é lamentável e condenável. Mas uma maçã podre não representa o cesto da fruta, muito menos o brio, a honra e a história dos militares portugueses. Este é um caso de polícia que está a ser investigado desde 2019. Cerca de dois anos depois vem agora a público, num momento em que Portugal vive uma crise política pantanosa. Será mera coincidência ou uma manobra de distração das atenções?

Diretora do Diário de Notícias

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