A academia, a liberdade e os estados de alma do governo e do povo

Publicado a
Atualizado a

A 17 de abril comemorou-se o aniversário do "peço a palavra". Alberto Martins, estudante da Universidade de Coimbra a 17 de abril de 1969, numa cerimónia presidida pelo então Presidente da República Américo Tomás, pede a palavra em nome dos estudantes para contestar o regime. Era a crise estudantil de 1969 que abalaria o sistema e que fazia caminho para o fim da ditadura. Ontem, a 19 de abril, na Universidade de Aveiro, comemoraram-se os 50 anos do III Congresso da Oposição Democrática que aconteceu em abril de 1973, já na reta final para a revolução de abril.

Estes dois eventos são bem reveladores do papel que a academia sempre teve na liberdade de pensamento, na construção de uma sociedade crítica e livre que seja capaz de se questionar permanentemente e de garantir que todos podemos usar a liberdade individual, sem restrições que não sejam o respeito pelo bem comum. É esse um dos principais papéis da literacia, nomeadamente da literacia política: criar no maior número de pessoas e, especialmente, nos jovens competências para o exercício da cidadania e do uso dos direitos da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

Estamos perto de comemorar os 50 anos da revolução de abril, numa altura em que o governo está sob forte contestação, nas ruas, nas empresas, na comunicação social e, obviamente, da oposição parlamentar. Se esta última é permanente, tão permanente que é desvalorizada pela população mais esclarecida, já o que se vai passando na rua e nas empresas marca a agenda política. Casos como a TAP trazem elevado desgaste a quem governa e algum alento a quem quer governar tão rápido quanto possível. Mas são também situações que nos fazem questionar o estado da democracia, da ética republicana e da renovação que importa fazer no modo como interpretamos os princípios que sustentam o regime e a forma como exercemos o poder.

A oposição interrompeu a legislatura anterior, na expectativa de chegar ao poder e de desgastar o partido do governo. Nas urnas o povo sufragou esse mesmo partido de forma clamorosa oferecendo-lhe uma maioria absoluta e reduzindo alguma da oposição a uma expressão mínima. A saída para a rua da extrema esquerda, especialista no assunto, coadjuvada aqui e ali pelo sindicalismo afeto à direita democrática e pelo barulho da extrema direita tem levado a sociedade (o povo) a percecionar uma realidade pior que a que efetivamente vivemos, ainda que não vivamos propriamente um bom momento. Importa por isso que quem deve, leia-se quem lidera, seja capaz de transmitir segurança e poder suficientes para não deixar que um regime maioritário impluda por dentro. Sabemos todos que essa é a melhor maneira de interromper um governo de maioria absoluta. O país não deve perder tempo com interrupções de legislatura, nomeadamente quando sabemos ser improvável encontrar uma situação parlamentar mais sólida que a atual. Mas, é o governo que tem de garantir que tal não é necessário.

Voltando ao ensino superior e ao papel que este teve e tem, na construção do pensamento e da ação democrática, importa que lhe continuemos a dar condições legislativas, financeiras, técnicas e humanas para exercer e fomentar o pensamento livre, que ajude a consolidar a democracia.

Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt