A(s) pinta(s) de Kusama

A artista japonesa Yayoi Kusama tem uma carreira e tanto. Os padrões à base de bolas, a sua imagem de marca, invadem agora o mundo da moda, numa parceria com a muito internacional Louis Vuitton.
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Irreverente e ousada. Dois adjetivos não chegam para descrevê-la, mas ajudam. Yayoi Kusama é conhecida como a «princesa das polka dots», ou não estivessem os seus icónicos e repetitivos padrões cobertos de pintas. Nascida em Matsumoto, Japão, em 1929, Kusama orquestrou uma carreira original, na qual fez uso de todas as técnicas que lhe eram possíveis - escultura, pintura, cinema, fotografia, escrita ou instalação imersiva - para representar a imagem que lhe está associada. Segundo a artista, as suas obras tiveram origem numa alucinação ocorrida numa sala de jantar, há muitos anos. Certo dia, os padrões florais encarnados da toalha de mesa ganharam vida e espalharam-se por paredes, chão e corpo. Desde então, a dita «desorientação» fez dela uma figura reconhecida internacionalmente, ainda que apenas a partir dos anos 1980.

Já teve participações na Bienal de Veneza, no MoMA, em Nova Iorque, ou na Maison de la Culture du Japon, em Paris. Mas isso é pouco. Kusama é, de facto, famosa pelos ambientes e instalações de grande escala que cria (como a Fireflies on the Water, em 2002, no Whitney Museum, em Nova Iorque), e pela intensidade quase alucinatória que incute nos seus trabalhos, recorrendo frequentemente a uma abundância acumulativa de pormenores ou densos padrões de redes e pontos.

Mudou-se para Nova Iorque em 1958 e enveredou pelo mundo da avant-garde, associando-se ao desenvolvimento da Pop, do Minimalismo e das artes performativas. Fez exposições com Claes Oldenburg, Andy Warhol e Donald Judd. Mas os happenings também surgiram no percurso profissional, como ações políticas, eventos contra-culturais, design de moda e publicações. Já de regresso ao país que a viu nascer, em 1973, a artista, que se descreve como sendo «obsessiva», optou por residir num hospital psiquiátrico, em Tóquio, ainda que com acesso praticamente diário ao seu estúdio, para continuar a criar e a produzir. Agora, com oitenta e três anos, volta a dar que falar. A razão? Uma colaboração com a famosa marca Louis Vuitton.

A relação entre Marc Jacobs, diretor artístico da griffe francesa, e a artista já não é nova - remonta ao ano de 2006. Contrariamente ao que seria de esperar, o recente projeto vai além de salas expositivas, embora tenha começado com uma retrospetiva do trabalho de Kusama que ocupou o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, em Madrid, Centre Pompidou, em Paris, Tate Modern, em Londres, e Whitney Museum, em Nova Iorque (a última paragem, onde a coleção esteve patente até ao final de setembro). Já não é possível visitar a mostra, mas nem tudo está perdido: o cunho da artista alargou-se aos produtos da marca, comercializados desde julho em lojas da Louis Vuitton selecionadas e espalhadas um pouco por todo o mundo. A parceria, batizada Infinitely Kusama, conta com roupas, sapatos e acessórios, onde não faltam estampas de bolas, em cores e feitios diversificados. Exemplos de algumas peças são as trench coats, os pijamas de seda ou os relógios de pulso.

Em comemoração pela iniciativa, a Louis Vuitton decidiu abrir sete lojas temporárias em Nova Iorque, Hong Kong, Paris, Singapura, Londres e duas em Tóquio. Para Portugal, em plena Avenida da Liberdade, Lisboa, vieram apenas alguns itens da coleção, desde acessórios vários a carteiras e sapatos, que estão disponíveis até ao final do ano e mediante o stock existente.

Esta não é a primeira vez que a artista invade o mundo da moda (inaugurou, na década de sessenta do século passado, a Kusama Fashion Company na Big Apple, onde vendia os seus vestidos e tecidos em lojas, incluindo as suas na 6th Avenue e na 8th Street.), nem a estreia da Louis Vuitton no seu cruzamento com a arte. Este é um universo com o qual a marca mantém uma estreita relação desde o seu nascimento, em 1854. O fascínio por formas de expressão foi crescendo ao longo das décadas e permanece vivo nos dias de hoje. Entre as colaborações artísticas estabelecidas no passado, destacam-se as dos anos de 1980 com pintores como César, Sol LeWitt e Olivier Debré. Mas a fusão foi mais além, com Takashi Murakami (artista japonês multifacetado), Richard Prince (pintor e fotógrafo) e o falecido fashion designer e artista Stephen Sprouse. Ainda assim, e de acordo com jornal britânico The Telegraph, a união artística com Kusama poderá ser a mais bem-sucedida de sempre da Louis Vuitton. A ver vamos.

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