9 de Maio? Só perdedores

Publicado a

O dia 9 de maio marca a capitulação da Alemanha Nazi perante a União Soviética na II Guerra Mundial (conhecida, igualmente, como a Grande Guerra Patriótica na União Soviética e nos Estados pós-soviéticos). Esta data acontece depois da capitulação original que a Alemanha anteriormente havia acordado com as forças conjuntas dos Aliados na Frente Ocidental. Ao festejar e anunciar o 9 de maio, após a cerimónia de assinatura, em Berlim, o dia tornou-se feriado. Voltou a ser dia de trabalho apenas em 1965.

Lavrov já veio desmentir o anteriormente anunciado, i.e., que o 9 de Maio seria, simbolicamente, um dia bom para terminar a guerra com a capitulação da Ucrânia. Isso está, porém, longe de acontecer.

Primeiro porque a Rússia nada ganhou. Antes perdeu. Económica, política e humanamente. Perdeu credibilidade e soçobrou à veia propagandística de um ditador. Pior, vai perder uma guerra e poderá vir a ser humilhada internacionalmente. A descoordenação logística dos meios, a ausência de comando central e, depois, descentralizado por frentes de batalha, os problemas técnicos com os tanques T-72, a frota marítima russa ao alcance dos mísseis Neptuno, as constantes falhas de abastecimento, o tiro errático (propositado ou não), a notória obsolescência aérea, para além de uma total impreparação de tropas em termos morais, vieram ridicularizar o pseudo império russo. Isto para não comentar, sequer, crimes de guerra.

Em segundo lugar porque a Rússia não combate nazis. Está mais próxima a Rússia de um qualquer nazismo do que um povo moralizado que, até pela mão do seu presidente, tem ascendência semita. O simples facto de haver uma minoria de tropas ditas mais extremistas não permite avaliar, como em tudo nas generalizações abusivas, o que se passa com a maioria de um povo que combate pela sua liberdade e pelos valores do Ocidente e da paz.

Em terceiro lugar porque a Rússia, ao pretender o corredor geográfico sul que liga Mariupol a Odessa, integrando a zona da Crimeia, e afastando a Ucrânia dos mares de Azov e Negro não esboça mais que uma aspiração não possível. Aspiração essa há muito percebida pela Ucrânia que jamais deixará que tal aconteça.

Finalmente, as perdas russas são avultadas em termos económicos. É possível evitar o petróleo russo e, ainda assim, vivermos todos a Ocidente. Mais, é possível ainda que os chineses comprem tal petróleo, porém, será sempre a desconto. Ou não andassem os chineses atentos aos saldos que a Rússia terá de proporcionar. O trigo ou o óleo vegetal (e talvez mesmo os fertilizantes, estes russos) possam ser mais problemáticos mas, ainda assim, logo que a Ucrânia conseguir desocupar parte do território recomeçará produções.

Tudo isto para dizer o quê? Que a guerra não acabará dia 9 de Maio. E que a inflação veio para ficar. E veio para ficar não necessariamente apenas pelos acréscimos dos custos energéticos mas até mais e há mais tempo pelos lockdowns desencontrados em portos e fábricas chinesas que criam disrupções e fazem elevar o preço dos fretes, a retenção da capacidade marítima disponível fundeada à boca de Shanghai e de outros portos de mar, provocando cargas contentorizadas vazias, levando a especulações, à perda de liquidez e ao soçobrar de alguns armadores mais pequenos e médios que não têm como sobreviver nestas circunstâncias, mais ainda com os custos de manutenção das frotas a subir. Elevados tempos de entrega levam inexoravelmente ao medo e aos stocks mais elevados e ao comprometimento de tesouraria.

Se há quem esteja do lado bom da economia neste contexto, por exemplo as empresas de IT (desenvolvimento) e muitas de serviços que permitem trabalho inteiramente remoto e a continuidade dos seus serviços (os da economia digital), já as que maioritariamente trabalham bens tangíveis e não têm forma de receber ou colocar os seus produtos, que perderam visibilidade e que apenas comprometem tesouraria sem benefícios energéticos nenhuns, começam a sentir problemas. Agravados, em paralelo, pelo que se sentirá na perda de poder de compra e na dificuldade de repassagem dos efeitos inflacionistas - vulgo aumento de preços - para os seus mercados.

A conclusão de tudo isto não é boa. O Banco Central Europeu elevará as suas taxas de juro e, em Portugal como na Europa, sentiremos os efeitos nas hipotecas das casas a subir. A par com um acréscimo substancial em alguns bens fundamentais, entre outros. Isto dito, talvez estejamos a preparar um mundo diferente do que tínhamos e, nesse aspeto, os russos que brinquem com o 9 de Maio como quiserem face ao que aconteceu lá atrás, até com banda e desfile comprado, mas nós, mundo Ocidental, não apenas não comemoraremos nenhuma vitória sobre nada como estamos todos perdedores: em economia e sobretudo em vidas humanas.

Presidente do Iscte Executive Education

Diário de Notícias
www.dn.pt