70% do mercado externo de Portugal está estagnado, mas o pior é a Alemanha

Alemanha é o caso mais bicudo. A maior economia da Europa já entrou em recessão técnica e depois disso estagnou. Espanha resiste, mas o impasse na formação do governo está a deixar muitos de pé atrás. Ambos os parceiros são duas pedras basilares da economia portuguesa.
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Mais de 70% do mercado externo (cliente das exportações) de Portugal está estagnado e a tendência pode ser para piorar, dizem vários analistas. O mercado em causa é a União Europeia (UE) que, anualmente, compra mais de 55 mil milhões de euros em exportações nacionais.

É também aqui que estão alguns dos maiores investidores diretos estrangeiros (IDE) na economia portuguesa, países como Espanha, França e Alemanha, que também são das maiores fontes do crucial setor do turismo.

A UE está estagnada, mas há casos que inspiram mais cuidados do que outros. O mais dramático ou delicado é o alemão. Primeiro, é a maior economia da Europa. O que acontece na Alemanha, não fica só na Alemanha, normalmente, contagia o resto dos parceiros da União e outros tantos pelo mundo fora.

Segundo, no caso de Portugal, a Alemanha é uma das fontes de IDE tecnologicamente mais avançado, com uma posição de investimento cá de quase oito mil milhões de euros (valores referentes a 2022, do Banco de Portugal). É o caso da fábrica da Volkswagen, a Autoeuropa, que é um dos centros nevrálgicos do valioso cluster automóvel nacional.

Como se não bastasse, a economia alemã compra 11% das exportações portuguesas e é uma das principais origens de turismo estrangeiro, em número de pessoas e valor faturado.

Mas não é só a gigante Alemanha que está a sentir o peso desta crise. Espanha, o maior investidor e comprador de exportações portuguesas e fonte de turismo, embora ainda resista, está a crescer hoje a menos de metade do ritmo de há um ano: avançou 1,8% em termos homólogos no segundo trimestre deste ano.

Mais de um ano volvido após o Banco Central Europeu (BCE) ter começado a subir fortemente as taxas de juro (em julho passado, a taxa estava em 0%), as consequências danosas sobre as economias europeias começam a ver-se.

O crédito está muito mais caro, a dívida bancária está a manietar o rendimento e o consumo de muitas famílias e empresas por essa Europa fora, o investimento e a confiança empresarial estão a vacilar, podendo inclusive atrasar o arranque de muitos projetos financiados por fundos europeus. Muitos investimentos que estão a concorrer a dinheiro da UE precisam de ser ancorados em algum capital privado.

Se a ideia do BCE era baixar a inflação, provocando arrefecimentos e até paralisações em algumas atividades económicas, então está a conseguir.

Christine Lagarde, a presidente da autoridade monetária da Zona Euro, confirmou isso mesmo no final de julho. "Os anteriores aumentos das taxas de juro [o BCE começou a subir em julho do ano passado, com o ponto de partida nos 0%] estão a ser transmitidos de forma vigorosa: as condições de financiamento tornaram-se mais restritivas e estão a travar cada vez mais a procura [consumo e investimento], o que constitui um fator importante para fazer a inflação regressar ao objetivo de médio prazo de 2%."

E disse mais: "As nossas futuras decisões assegurarão que as taxas de juro diretoras do BCE sejam fixadas em níveis suficientemente restritivos, durante o tempo que for necessário" para chegar o mais rápido possível aos desejados 2%.

Assim, o resultado da política cada vez mais restritiva do BCE está à vista. Segundo o Eurostat, a União Europeia estagnou no segundo trimestre: o Produto Interno Bruto (PIB) congelou face aos primeiros três meses desde ano (0%).

Pessimismo alastra na Alemanha

Olhe-se então para o caso que inspira maiores cuidados, o alemão. Clemens Fuest, o presidente e economista principal do Ifo, o Instituto de Estudos Económicos da Universidade de Munique, considera que "o sentimento dos empresários alemães agravou-se ainda mais" ao longo dos últimos meses.

"O índice Ifo para o clima empresarial caiu para 87,3 pontos em julho, contra 88,6 pontos em junho", naquela que foi "a terceira descida consecutiva", descreve o economista alemão. Segundo Fuest, "as empresas mostraram-se claramente menos satisfeitas com os níveis atuais de atividade", "as expectativas estão mais baixas". Em suma: "A situação da economia alemã está a tornar-se mais sombria", avisa o líder do instituto, um dos mais reconhecidos na Alemanha.

Na indústria transformadora, que na Alemanha é gigantesca e costuma ser o grande motor da economia, "o índice relativo ao clima empresarial também desceu".

Os empresários fazem uma avaliação "visivelmente mais pessimista da situação atual", "as suas expectativas estão piores". Fuest destaca ainda o facto de as empresas alemãs "estarem a receber cada vez menos encomendas" e, não menos importante, o facto de o investimento feito estar a ser menos produtivo e rentabilizado.

"A utilização da capacidade instalada caiu 1,4 pontos percentuais para 83%. É a primeira vez, em mais de dois anos, que o índice desce abaixo da sua média de longo prazo de 83,6%", alerta Fuest.

"Os prestadores de serviços mostraram-se nitidamente menos satisfeitos com a sua situação empresarial", "no comércio, o clima de negócios deteriorou-se e as perspetivas tornaram-se visivelmente mais fracas", diz o economista. "Na construção, o clima empresarial caiu para o nível mais baixo desde fevereiro de 2010" e os empresários estão "visivelmente mais pessimistas em relação aos próximos meses".

Dentro da indústria alemã, costuma dizer-se que o ponta de lança é o setor automóvel. Aqui, os problemas também estão a crescer. "O ritmo das encomendas está cada vez mais lento na opinião dos fabricantes de automóveis e dos fornecedores", diz Anita Wölfl, especialista do Centro de Organização Industrial e Novas Tecnologias do Ifo.

"À luz da incerteza persistente nos mercados globais, as expectativas da indústria automóvel para os próximos meses permanecem num nível baixo", acrescenta a economista alemã.

Segundo o Eurostat, a Zona Euro evitou uma recessão (dois trimestres seguidos de contração em cadeia do PIB), mas da Alemanha não se pode dizer o mesmo. Entrou em recessão técnica no último trimestre de 2022 e primeiro de 2023. No segundo trimestre, estagnou.

Ventos incertos de Espanha

Em Espanha, o arrefecimento da economia está a acontecer, mas as atenções e preocupações estão essencialmente focadas no futuro político do país. Como referido, Espanha é o peso pesado das relações económicas com Portugal. É o maior investidor direto, com interesses avaliados em mais de 25 mil milhões de euros (posição ou stock), e é para lá que vão anualmente mais de 20 mil milhões das exportações portuguesas (26% do total).

Em cima disto, é o terceiro maior mercado em valor anual de receita turística. Segundo o Turismo de Portugal, que cita dados do INE e do Banco de Portugal, Espanha deu a ganhar ao setor turístico português quase 2,4 mil milhões de euros no ano passado. Os maiores emissores são Reino Unido e França.

Para Javier Rouillet, o economista principal da agência de rating DBRS, responsável por seguir a quarta maior economia do euro, "o reequilíbrio das contas públicas espanholas deve prosseguir este ano, ajudado pela recuperação conjuntural da economia". "No entanto, para fazer face ao longo prazo, num contexto de abrandamento económico e de subida das taxas de juro, serão necessárias medidas de ajustamento adicionais".

Mas outra dúvida paira. "Este cenário de um Parlamento [Congresso] em suspenso, caso se prolongue por vários meses, pode dificultar a execução dos projetos da UE e a libertação de fundos, além de atrasar a necessária consolidação orçamental, numa altura em que a economia espanhola está a abrandar", afirma o mesmo analista.

Para Portugal, o impacto disto seria quase direto, tendo em conta o valor de alguns projetos transfronteiriços lançados pelo duo ibérico.

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