Quem comete crimes e tem menos de 16 anos é considerado inimputável perante a lei portuguesa, mas é obrigado a cumprir "pena" no seu meio familiar ou em centros educativos, uma espécie de prisão para os delinquentes mais novos. Fechados à chave, vivem em edifícios vedados com arame farpado e obrigados a cumprir regras e a alcançar objetivos. Grande parte destes adolescentes e jovens (87%) estavam sinalizados e eram acompanhados pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ)..Já residiam numa instituição antes de serem detidos 66% dos jovens, proporção que tem vindo a agravar-se de ano para ano. São praticamente o dobro dos que têm medidas de proteção e residem com a família..Os jovens com a medida de internamento estão distribuídos pelos seis centros educativos no país - dois a norte, um no centro e três na Grande Lisboa. No total são 144, a 15 de maio, mas apenas dois são mistos (Navarro de Paiva, em Lisboa, e Santa Clara, em Vila do Conde). São maioritariamente rapazes, com uma média de idades de 16,3 anos (cometeram os crimes antes dos 16)..Untitled infographic Infogram.Mais de metade vivem na Grande Lisboa (60%), seguindo-se o norte (17%), o sul (10%) e o centro (8,5%). Açores e Madeira andam à volta dos 2,5% cada..São dados da Direção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, relativos a dezembro de 2018, e podem pôr em causa o acompanhamento feito no âmbito da promoção e proteção de crianças e jovens em perigo (lei 147/99 de 20 de setembro), feito pelas CPCJ e pela Segurança Social, sobretudo com os jovens que vivem em centros de acolhimento..As instituições fazem um mau trabalho?.As instituições fazem um mau trabalho? É a pergunta para João Cóias, subdiretor de serviços de justiça juvenil, que justifica serem estes "jovens muito complicados" e que "a própria promoção e proteção não tem estruturas adequadas para jovens muito difíceis"..João Cóias defende o acolhimento terapêutico, e justifica: "Deve ser feita uma intervenção muito mais terapêutica, que não é a que encontramos em muitos lares atuais, aliás, alguns destes jovens cometem os crimes nas próprias instituições, contra os cuidadores, não é a maioria, mas acontece." Exemplifica que o modelo terapêutico é já praticado na Casa Pia e na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), mas não está alargado a todas as instituições..Acrescenta uma segunda explicação para os casos complicados acabarem em centros educativos: o aumento do número de jovens sinalizados às CPCJ e aos tribunais, beneficiando "mais cedo do processo de proteção e promoção". No entanto, admite, "também podemos pensar que, para muitos destes jovens, o processo de promoção e proteção não resolveu o problema"..João Cóias dirige o serviço de justiça juvenil, que tem a seu cargo entre 2200 e 2400 jovens que cometeram crimes e estão abrangidos por medidas tutelares educativas (lei n.º 166/99 de 14 de setembro), aplicadas pelo Ministério da Justiça. Apenas uma pequena parte está internada em centros educativos..A medida mais grave da lei tutelar educativa é o internamento, podendo este ser em regime fechado, semiaberto e aberto. Os jovens, na sua maioria, estão em regime semiaberto e à volta de um ano e meio de internamento, só atingindo os três anos em casos extremos..Com as alterações legislativas em 2015 (lei 4/2015), foi reforçada a possibilidade de poderem cumprir o internamento fora dos centros educativos, em meio natural de vida, como a família, e eventualmente num apartamento de autonomia. O Ministério Público (MP) pode propor ao jovem um conjunto de compromissos, supervisionados pelas equipas de reinserção social, que, uma vez cumpridos, suspende a execução do processo para o internamento..A aplicação daquela medida tem vindo a aumentar, ao mesmo tempo que baixa o número de jovens a residir em centros educativos, o que se verifica a partir de 2013. Prevê-se que a média de 2019 seja de 150/160.."Esta diminuição coincide com uma altura em que tínhamos um número exagerado de internamentos para a população juvenil portuguesa. Não se justificava estarem 300 jovens em internamento e houve uma subida da suspensão destes processos, substituídos por um plano de conduta, que ajuda a resolver e bem muitos casos. E há também o impacto da diminuição da natalidade", diz João Cóias..Num centro educativo, os jovens têm aulas e/ou formação profissional, uma equipa técnica com um tutor que o acompanha, apoio psicológico, sessões de treino de competências sociais. O objetivo é que construa um projeto de futuro, "que seja viável, realista e tenha em conta o comportamento pró-social", explica o diretor de serviço. Sublinha: "Tem uma panóplia de intervenções que nunca mais terá em outro lugar. A intervenção de reeducação é sempre muito cara.".A fase seguinte é a prisão?.Muitos jovens saem dos centros educativos com 17 e 18 anos, numa idade em que são considerados responsáveis perante a lei. João Cóias admite que, a alguns, espera-os a prisão, mas não são a maioria. "Às vezes, chegam-nos demasiado tarde. Estes jovens começam a ter um comportamento em escalada, com pequenos furtos e situações similares, criando uma sensação de que ninguém os responsabiliza. E, inevitavelmente, isso tem um peso enorme no nosso trabalho.".Um estudo publicado no primeiro número da revista Sombras e Luzes 2018, publicação da Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, indica uma taxa de reincidência - condenações e indícios - na ordem de um terço entre os jovens com internamento e acompanhamento educativo..Por reincidência entende-se ter sido condenado em trânsito e julgado de uma decisão, seja ela tutelar educativa ou de âmbito penal. Por indícios, entende-se a existência de inquéritos ou processos judiciais, tutelares educativos ou penais, sem decisão transitada em julgado..O estudo é feito para um período de seis meses, um ano e dois anos. A reincidência geral da medida de internamento dos jovens avaliados que completaram dois anos após a saída do centro educativo é de 19% e têm indícios de reincidência 17%.."Se tomarmos como referência a taxa de reincidência geral, isto é, o somatório da taxa de reincidência com a taxa de indícios de reincidência, constatamos que o valor obtido em 2017, de 35,1%, não é muito diferente do obtido nos estudos de 2009, 2010 e no Projeto Reincidências e, mais baixo (- 8,8%) do obtido no estudo de 2006-2008", lê-se no artigo "Estudo de reincidência e ajustamento social dos jovens ofensores alvo de medidas de acompanhamento educativo e da medida de internamento"..Reforma do direto penal juvenil.Antes da reforma do direito penal juvenil, em 1999, as crianças e jovens em perigo eram colocadas nas mesmas instituições, quer fossem vítimas de negligência ou maus-tratos, quer causassem pequenos desacatos e cometessem infrações. Os institutos de reeducação misturavam estas duas realidades..A reforma separou as águas, criando dois sistemas de intervenção com as leis da Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Segurança Social) e Tutelar Educativa (Justiça). O primeiro sistema é administrativo e é representado pelas comissões de proteção de crianças e jovens, geralmente sediadas junto das câmaras municipais, cujo objetivo é proteger as crianças e os jovens, exigindo o acordo da família. Se não há acordo, deixa de haver uma abordagem administrativa e os processos de promoção e proteção vão para tribunal, é uma abordagem judicial. Esta intervenção vai os zero aos 18 anos, podendo excecionalmente ir até aos 25, se justificar o apoio do Estado.Com a Lei Tutelar Educativa não se penaliza o jovem que comete um crime e que teria uma moldura penal, antes há uma lógica educativa. "O mais importante é avaliar se justifica a intervenção", defende João Cóias, sublinhando: "Se tivermos um jovem com um enquadramento familiar adequado, com uma evolução positiva e que determinado tipo de crime possa ter sido um mero incidente no seu percurso, não se justifica uma intervenção tutelar educativa, dando-se-lhe a oportunidade para criar um conjunto de competências que evite a reincidência. E, na maior parte dos casos, isto consegue-se, até porque temos os jovens em crescimento, temos uma matéria-prima que ainda é moldável e que pode ser ajudada a mudar comportamentos."
Quem comete crimes e tem menos de 16 anos é considerado inimputável perante a lei portuguesa, mas é obrigado a cumprir "pena" no seu meio familiar ou em centros educativos, uma espécie de prisão para os delinquentes mais novos. Fechados à chave, vivem em edifícios vedados com arame farpado e obrigados a cumprir regras e a alcançar objetivos. Grande parte destes adolescentes e jovens (87%) estavam sinalizados e eram acompanhados pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ)..Já residiam numa instituição antes de serem detidos 66% dos jovens, proporção que tem vindo a agravar-se de ano para ano. São praticamente o dobro dos que têm medidas de proteção e residem com a família..Os jovens com a medida de internamento estão distribuídos pelos seis centros educativos no país - dois a norte, um no centro e três na Grande Lisboa. No total são 144, a 15 de maio, mas apenas dois são mistos (Navarro de Paiva, em Lisboa, e Santa Clara, em Vila do Conde). São maioritariamente rapazes, com uma média de idades de 16,3 anos (cometeram os crimes antes dos 16)..Untitled infographic Infogram.Mais de metade vivem na Grande Lisboa (60%), seguindo-se o norte (17%), o sul (10%) e o centro (8,5%). Açores e Madeira andam à volta dos 2,5% cada..São dados da Direção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, relativos a dezembro de 2018, e podem pôr em causa o acompanhamento feito no âmbito da promoção e proteção de crianças e jovens em perigo (lei 147/99 de 20 de setembro), feito pelas CPCJ e pela Segurança Social, sobretudo com os jovens que vivem em centros de acolhimento..As instituições fazem um mau trabalho?.As instituições fazem um mau trabalho? É a pergunta para João Cóias, subdiretor de serviços de justiça juvenil, que justifica serem estes "jovens muito complicados" e que "a própria promoção e proteção não tem estruturas adequadas para jovens muito difíceis"..João Cóias defende o acolhimento terapêutico, e justifica: "Deve ser feita uma intervenção muito mais terapêutica, que não é a que encontramos em muitos lares atuais, aliás, alguns destes jovens cometem os crimes nas próprias instituições, contra os cuidadores, não é a maioria, mas acontece." Exemplifica que o modelo terapêutico é já praticado na Casa Pia e na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), mas não está alargado a todas as instituições..Acrescenta uma segunda explicação para os casos complicados acabarem em centros educativos: o aumento do número de jovens sinalizados às CPCJ e aos tribunais, beneficiando "mais cedo do processo de proteção e promoção". No entanto, admite, "também podemos pensar que, para muitos destes jovens, o processo de promoção e proteção não resolveu o problema"..João Cóias dirige o serviço de justiça juvenil, que tem a seu cargo entre 2200 e 2400 jovens que cometeram crimes e estão abrangidos por medidas tutelares educativas (lei n.º 166/99 de 14 de setembro), aplicadas pelo Ministério da Justiça. Apenas uma pequena parte está internada em centros educativos..A medida mais grave da lei tutelar educativa é o internamento, podendo este ser em regime fechado, semiaberto e aberto. Os jovens, na sua maioria, estão em regime semiaberto e à volta de um ano e meio de internamento, só atingindo os três anos em casos extremos..Com as alterações legislativas em 2015 (lei 4/2015), foi reforçada a possibilidade de poderem cumprir o internamento fora dos centros educativos, em meio natural de vida, como a família, e eventualmente num apartamento de autonomia. O Ministério Público (MP) pode propor ao jovem um conjunto de compromissos, supervisionados pelas equipas de reinserção social, que, uma vez cumpridos, suspende a execução do processo para o internamento..A aplicação daquela medida tem vindo a aumentar, ao mesmo tempo que baixa o número de jovens a residir em centros educativos, o que se verifica a partir de 2013. Prevê-se que a média de 2019 seja de 150/160.."Esta diminuição coincide com uma altura em que tínhamos um número exagerado de internamentos para a população juvenil portuguesa. Não se justificava estarem 300 jovens em internamento e houve uma subida da suspensão destes processos, substituídos por um plano de conduta, que ajuda a resolver e bem muitos casos. E há também o impacto da diminuição da natalidade", diz João Cóias..Num centro educativo, os jovens têm aulas e/ou formação profissional, uma equipa técnica com um tutor que o acompanha, apoio psicológico, sessões de treino de competências sociais. O objetivo é que construa um projeto de futuro, "que seja viável, realista e tenha em conta o comportamento pró-social", explica o diretor de serviço. Sublinha: "Tem uma panóplia de intervenções que nunca mais terá em outro lugar. A intervenção de reeducação é sempre muito cara.".A fase seguinte é a prisão?.Muitos jovens saem dos centros educativos com 17 e 18 anos, numa idade em que são considerados responsáveis perante a lei. João Cóias admite que, a alguns, espera-os a prisão, mas não são a maioria. "Às vezes, chegam-nos demasiado tarde. Estes jovens começam a ter um comportamento em escalada, com pequenos furtos e situações similares, criando uma sensação de que ninguém os responsabiliza. E, inevitavelmente, isso tem um peso enorme no nosso trabalho.".Um estudo publicado no primeiro número da revista Sombras e Luzes 2018, publicação da Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, indica uma taxa de reincidência - condenações e indícios - na ordem de um terço entre os jovens com internamento e acompanhamento educativo..Por reincidência entende-se ter sido condenado em trânsito e julgado de uma decisão, seja ela tutelar educativa ou de âmbito penal. Por indícios, entende-se a existência de inquéritos ou processos judiciais, tutelares educativos ou penais, sem decisão transitada em julgado..O estudo é feito para um período de seis meses, um ano e dois anos. A reincidência geral da medida de internamento dos jovens avaliados que completaram dois anos após a saída do centro educativo é de 19% e têm indícios de reincidência 17%.."Se tomarmos como referência a taxa de reincidência geral, isto é, o somatório da taxa de reincidência com a taxa de indícios de reincidência, constatamos que o valor obtido em 2017, de 35,1%, não é muito diferente do obtido nos estudos de 2009, 2010 e no Projeto Reincidências e, mais baixo (- 8,8%) do obtido no estudo de 2006-2008", lê-se no artigo "Estudo de reincidência e ajustamento social dos jovens ofensores alvo de medidas de acompanhamento educativo e da medida de internamento"..Reforma do direto penal juvenil.Antes da reforma do direito penal juvenil, em 1999, as crianças e jovens em perigo eram colocadas nas mesmas instituições, quer fossem vítimas de negligência ou maus-tratos, quer causassem pequenos desacatos e cometessem infrações. Os institutos de reeducação misturavam estas duas realidades..A reforma separou as águas, criando dois sistemas de intervenção com as leis da Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Segurança Social) e Tutelar Educativa (Justiça). O primeiro sistema é administrativo e é representado pelas comissões de proteção de crianças e jovens, geralmente sediadas junto das câmaras municipais, cujo objetivo é proteger as crianças e os jovens, exigindo o acordo da família. Se não há acordo, deixa de haver uma abordagem administrativa e os processos de promoção e proteção vão para tribunal, é uma abordagem judicial. Esta intervenção vai os zero aos 18 anos, podendo excecionalmente ir até aos 25, se justificar o apoio do Estado.Com a Lei Tutelar Educativa não se penaliza o jovem que comete um crime e que teria uma moldura penal, antes há uma lógica educativa. "O mais importante é avaliar se justifica a intervenção", defende João Cóias, sublinhando: "Se tivermos um jovem com um enquadramento familiar adequado, com uma evolução positiva e que determinado tipo de crime possa ter sido um mero incidente no seu percurso, não se justifica uma intervenção tutelar educativa, dando-se-lhe a oportunidade para criar um conjunto de competências que evite a reincidência. E, na maior parte dos casos, isto consegue-se, até porque temos os jovens em crescimento, temos uma matéria-prima que ainda é moldável e que pode ser ajudada a mudar comportamentos."