65 milhões de meninas obrigadas a casar

700 milhões de meninas casam antes dos 18 anos - 250 milhões com menos de 15 - e 67 milhões foram obrigadas, alerta organização não-governamental em Portugal.
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Raparigas e rapazes são forçados a casar todos os dias, fenómeno que atinge mais as mulheres do que os homens, alerta a organização não governamental P & D Factor População e Desenvolvimento.

Uma realidade que afeta países africanos e asiáticos, mas cujos verdadeiros contornos são desconhecidos na Europa. Portugal tornou recentemente crime tal prática, mas segundo a mesma organização devia ser mais abrangente e focar também os casamentos infantis.

"Quem constranger outra pessoa a contrair casamento ou união equiparável à do casamento é punido com pena de prisão até 5 anos", refere o artigo 154º da Lei nº 83/2015, de agosto. Transpõe para o Código Penal o estabelecido pela Convenção de Istambul (maio de 2011) autonomizando o crime de mutilação genital feminina e criando os de perseguição e casamento forçado. Modifica, ainda, os crimes de violação, coação sexual e importunação sexual.

Carla Martingo, investigadora da organização que acaba de publicar um levantamento sobre os casamentos infantis e práticas nefastas, considera que "ao falar-se apenas no casamento forçado, não dá o retrato real do problema". Tem uma visão mais ampla do conceito, considerando "casamento forçado quando um ou os dois noivos casam antes dos 18 anos e sem ter direito a escolha".

Casamentos infantis, precoces e forçados e outras práticas nefastas, é o título do estudo, salientando que entre os 67 milhões de meninas que não escolheram o parceiro, 15 milhões tinham menos de 15 anos e algumas com menos de 10, como na Etiópia onde são entregues aos maridos aos 7. E 156 milhões dos homens casaram antes de completar os 18 anos, sendo que 33 milhões antes dos 15. O levantamento não especifica o número de uniões forçadas no sexo masculino.

O Níger (76%), o Chade (68%), a República Centro Africana (68%), o Bangladesh (65%) e o Mali (55%) são os países com maior percentagem de casamentos infantis. Moçambique surge entre as nações com mais jovens a casar antes de atingirem a maioridade, segundo a UNICEF (2014), em 10º lugar, com 48 % das mulheres entre os 20 e 24 anos a referir que o fizeram. "Tem a ver com a cultura, com as práticas locais, é um problema e existe uma rede nacional para o combater", explica Carla Martingo. A nível internacional é a organização Girls Not Brides (Meninas Não Noivas) que lidera este combate.

Em Portugal, as famílias ciganas são referenciadas como as que combinam as uniões dos filhos, mas a investigadora salienta que não há estudos sobre esta matéria. Além das comunidades de imigrantes originárias de países com elevadas taxas de casamentos prematuros. Uma prática relacionada com a mutilação genital feminina e outros riscos para a saúde materna.

"O problema é que não basta vontade política. É preciso desenvolver um trabalho de sensibilização junto das famílias que "atiram" as suas filhas para o casamento precoce, sob pena de a lei ditar uma coisa e a prática ditar outra. Se não se fizer nada, "nos próximos dez anos, mais 142 milhões de meninas tornar-se-ão noivas, estimando-se que, até 2050 mais 1.2 mil milhões de meninas estarão casadas", sublinha.

O crime é recente no País e as situações detetadas têm sido tratadas a nível da violência doméstica. Um dos casos divulgados ocorreu em 2009, em Santa Maria da Feira, quando uma menina com 11 anos de etnia cigana, a viver com os pais adotivos, foi raptada e levada para Montemor-o-Velho para se casar com um rapaz de 18 anos, a quem foi prometida pela família biológica. Foram os pais que avisaram a polícia, que a encontrou num acampamento cigano com o marido.

Já este ano, foi denunciada a situação de uma menina que tinha fugido dos maus tratos por parte dos tios, que a acolheram aos três meses de idade, quando a mãe foi presa por ter atirado sobre o marido. E que tinha sido forçada a casar aos 13 anos.

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