500 doentes com cancro pediram ajuda jurídica à Liga
Mais de 500 doentes pediram ajuda à Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) para resolver conflitos jurídicos, ao longo deste ano. O dobro dos pedidos recebidos em 2016. Este é o terceiro ano que a maior associação de doentes disponibiliza apoio legal aos doentes, primeiro apenas em Coimbra e depois com consultas presenciais também no Porto e em Lisboa, mas também através da linha telefónica e de e-mail, sendo também esta o motivo porque há mais pedidos, acredita o presidente da Liga, Vítor Veloso.
Os problemas mais recorrentes para quem tem ou teve cancro são o "crédito bancário, que deve ser bonificado porque a maior parte destes doentes tem mais de 60% de incapacidade, a isenção de taxas moderadoras, os benefícios a nível do IRS", enumera Ana Elisabete Ferreira, uma das juristas que apoia a LPCC.
Fazer valer os direitos dos doentes com cancro é ainda pode ser difícil em Portugal. E é exatamente sobre isso que hoje Vítor Veloso e o jurista André Dias Pereira, ambos da Liga, vão falar, na conferência organizada pela Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO), que vai decorrer na Assembleia da República. "O objetivo é, de facto, chamar a atenção para o que representa a doença oncológica metastatizada em Portugal e escolhemos o cancro da mama, porque é onde há muitos doentes que vivem com este desafio", explica ao DN Gabriela Sousa, presidente da SPO (ver entrevista). E a partir deste tipo de cancro - que afeta essencialmente mulheres, mas onde 1% dos doentes são homens - chamar a atenção para os desafios globais.
Isilda Faria é uma das doentes que luta para fazer valer os seus direitos. Teve cancro da mama há três anos, mas há sete que tenta a reforma por invalidez, devido à fibromialgia. "No mês passado voltei a meter os papéis, todos os anos tento. Estou com uma baixa sem vencimento e recebo o RSI [Rendimento Social de Inserção], mas acho que mereço a reforma e não o RSI", desabafa. Natural de Matosinhos, explica que não consegue manter o emprego que exige demasiado esforço físico - fazia limpezas numa moradia de um sindicato -, "eram três andares e grandes pátios para limpar e já não conseguia". Isilda começou por reduzir a carga horária de oito para quatro horas diárias, mas deixou de aguentar. "Os médicos dizem que não posso trabalhar, mas a junta médica diz que sim", lamenta. Com 54 anos e a viver com 260 euros por mês, Isilda pediu ajuda à Ordem dos Advogados para mediar o processo de pedido da reforma.
Apesar de não ter recorrido à Liga, também aqui chegam muitos casos de pedidos de ajuda para os pedidos de reforma por invalidez. "Às vezes há muitas dificuldades para obter as pensões", admite André Dias Pereira. O jurista fala ainda de problemas na aquisição de próteses ou os transportes para consultas não urgentes, cuja doutrina "é diferente de hospital para hospital" e daí ser necessário às vezes recorrer a pareceres jurídicos da Liga.
Grande parte do trabalho no apoio a estes doentes é, sem dúvida, "o direito laboral", aponta Ana Elisabete Ferreira. "Estamos a falar de pessoas com bastante sequelas da doença e dos tratamentos e muitas vezes querem voltar ao trabalho, mas é preciso reajustar as funções que a pessoa desempenha e é necessária essa mediação com o empregador", acrescenta a jurista. Adiantando que na maioria dos casos, a situação fica resolvida depois da intervenção jurídica.
Para a especialista a dificuldade está muitas vezes em encontrar a legislação que se aplica aos casos dos doentes. "Há muita proliferação legislativa e é mais difícil saber em que nos baseamos para negociar um contrato de arrendamento, as horas no trabalho. Nota-se que também há desconhecimento por parte de alguns serviços da administração pública da situação dos doentes com incapacidade e só o facto de ir perguntar ou dizer que não é assim que se faz, é um atraso, para aquele doente. Ainda estamos, como sociedade, a aprender a lidar com o cancro", aponta Ana Elisabete Ferreira.
O presidente da Liga defende que é necessário "desburocratizar" os direitos dos doentes oncológicos. Apontando falhas do Serviço Nacional de Saúde, à Segurança Social, passando pela banca, seguros e local de trabalho, o médico acredita que "todas estas entidades desde que percebam que há pessoas que estão a ser ajudadas e que há juristas que sabem estas leis, acabam por cumprir a lei". Daí que o serviço jurídico aponte para um sucesso de mais de 90% dos seus casos.
Porém, há também falhas no lado dos deveres dos doentes. "Alguns são gerais, como a questão da prevenção das doenças ou de comparecerem nas consultas. Muitos dos deveres são também matérias de responsabilidade individual de cada um, como ter hábitos de vida saudáveis. Temos que chamar a atenção para a necessidade de cumprimento desses deveres", alerta Vítor Veloso. Para o presidente da LPCC, embora seja fundamental trabalhar no cumprimento dos deveres, "a consciencialização é muito difícil". Ainda que o mais importante nesta fase seja garantir o cumprimento dos direitos dos doentes.