50 alunas e 50 alunos marcaram iníco da escola alemã Bauhaus

A Bauhaus inicia-se com 50 alunas e 50 alunos inscritos, um número paritário a que não é alheia a ideia de colocar homens e mulheres em idêntica posição, nos primórdios do século XX.
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No discurso de abertura, o diretor Walter Gropius dirige-se às alunas e avisa que a partir daquele momento não haverá "respeito específico" com as senhoras. Todos serão tratados por igual. Homens e mulheres estão ali para trabalhar com os mesmos direitos e deveres.

O episódio, contado à agência Lusa pelo historiador de arte Pedro Lapa, faz parte da história da escola alemã, inaugurada em 1919 na República de Weimar.

No entanto, os ateliers de tecelagem são maioritariamente femininos e os de metal maioritariamente masculinos.

A liberdade dada às mulheres pelo governo local para frequentarem escolas de arte faz com que muitas candidatas se inscrevam.

"A partir de certa altura, o próprio Gropius começa a temer uma invasão excessivamente feminina da escola e uma configuração demasiado feminina de artes decorativas que pudesse por em risco o seu projeto", afirma o especialista em História da Arte e antigo diretor do Museu Coleção Berardo.

Acaba por haver uma certa restrição "a um desenvolvimento mais livre do conjunto de mulheres muito significativo que trabalharam na Bauhaus", refere Pedro Lapa, para quem, ainda assim, o legado é "fantástico", pela mudança que vai impor ao padrão habitual.

"Estas escolas e estes movimentos eram profundamente dominados por homens e as mulheres tinham um papel mesmo muito restrito", atesta.

Pedro Lapa dá o exemplo de Marianne Brandt, uma das mulheres que vão marcar a Bauhaus e que começa por frequentar a oficina de metais sob a orientação de László Moholy--Nagy.

"Moholy--Nagy usava um fato de macaco e definia-se como uma espécie de engenheiro", refere Pedro Lapa, ao falar da postura dos diferentes mestres da escola. Por oposição, Johannes Itten vestia-se como um monge, as aulas que ministrava iniciavam-se com exercícios de respiração e meditação, depois passava-se ao estudo da forma. "Tudo era profundamente integrado".

A entrevista à Lusa tem como de pano de fundo um quadro de Moholy--Nagy (CH XIV), realizado já depois de sair da Bauhaus (1939), mas que será, segundo o historiador, a pintura mais ilustrativa daquele período, patente em Portugal.

Moholy--Nagy foi um dos mestres da Bauhaus que fugiram da Alemanha nazi para os EUA. Aí foi realizada a pintura agora exposta no Museu Coleção Berardo, em Lisboa, onde em outubro se realiza um ciclo de conferências dedicado à Bauhaus.

"Infelizmente, no contexto das coleções portuguesas não temos obras daqueles nomes que lecionaram na Bauhaus", lamentou, referindo os pintores Wassily Kandinsky, Paul Klee e Oskar Schlemmer.

Para o especialista, a Bauhaus foi a escola que de forma mais consistente uniu arte e técnica, "não só como um sonho, mas também como uma concretização". O sonho foi cumprido, considera: "Criaram efetivamente uma relação entre a arte, a técnica e a indústria que deu os primeiros passos e que, posteriormente, se vai expandir para todo o mundo".

"Foi também a tentativa e a preocupação de realizar uma arte para largas camadas populares, uma arte nova, para um mundo novo e para todos", sublinha.

Neste aspeto, o sonho "já não terá sido, em parte, tão cumprido", nota Pedro Lapa.

Hoje, muitas obras de design pensadas na Bauhaus são "extremamente dispendiosas", ainda que o sonho da sua realização fosse a utilização de materiais comuns, inovadores, de um novo período técnico-científico que o mundo vivia e que "permitiriam uma produção generalizada e acessível para todas as classes".

A Bauhaus inicia-se a partir de um conjunto de outras escolas e movimentos, como o 'Arts&Crafts', em Inglaterra, que procuraram ligar a arte com o artesanato, recordou.

"A diferença é que nessas escolas, nesses movimentos, havia uma recusa liminar de toda a industrialização e todo o moderno era visto como um atentado à prática da arte", explica Pedro Lapa.

Com a Bauhaus, a ideia é estabelecer novamente a unidade entre o artesanato e artista, mas uni-lo "na construção de qualquer coisa nova, inovadora".

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