40 anos de Kronos e outros tantos estilos
O MistyFest fez que passasse também por Lisboa a digressão dos 40 anos do Kronos Quartet, acrescendo a "marca" portuguesa inscrita no programa com 'Verdes Anos' e dois inéditos de Amélia Muge (convidada especial) sobre versos de Amália. A maior fatia era de autores americanos (cinco), encimados, claro está, por Steve Reich, cujo 'Different Trains' fechou o concerto; mas ainda houve espaço para "idas" à Islândia (Sigur Rós), à Suécia, ao México, à Arménia (em extra) e... a Wagner. Mais ilustrativa ainda foi a variedade de estilos percorrida ao longo do recital e o atestado de vitalidade que tal representa - afinal, três dos membros do Kronos tocam juntos há já 36 anos! -, como que assestando os focos para o cinquentenário, a nove anos de distância. Nos americanos, 'Pinched', de Ryan Brown, destacou-se pelos modos de execução requeridos, nunca tradicionais; 'Last Kind Words', de Geeshie Wiley, levou-nos para o 'deep South', com o violino de Harrington "comutado" em tradicional 'fiddle' e um ambiente sonoro afim do 'bluegrass'; 'Flow', de Laurie Anderson, foi um dos momentos mais tocantes e poéticos do concerto: incrível, para uma peça de menos de três minutos de duração! Percebeu-se a intenção de abrir a noite com 'Aheym', de Bryce Dessner: estabelecer um arco com a obra que a encerrava: 'Different Trains'. 'Aheym' é uma obra positivamente hipnótica e indutora de transe! O tema dos Sigur Rós criou subtis texturas atmosféricas e a canção tradicional sueca teve uma leitura que lhe realçou a singela poesia. '12/12', dos Café Tacuba, pareceu-nos a peça mais fraca em programa: um arrazoado de estilos (incluindo uma 'hommage' a Silvestre Revueltas) que deixou uma impressão oca, apesar do colorido. Amélia Muge não nos pareceu nas melhores condições vocais, mas compensou-o parcialmente pelos seus dotes de 'diseuse'. Os temas que apresentou (em estreia absoluta) são bastante contrastantes entre si e os arranjos de Filipe Raposo estão bem feitos, com a linha vocal sempre em interessante equilíbrio entre a canção e algo mais fadístico. 'Different Trains' teve um início algo "descarrilado", mas depressa foi agarrada pelo grupo. O resultado confirmou a força inalterada, a impressão marcante e tocante, o fascínio que a obra retém a cada audição: acabamos sempre por subir para aquelas "carruagens"! A peça arménia em extra confirmou a facilidade com que a sonoridade do Kronos se adapta aos vocabulários tradicionais de qualquer parte do mundo: afinal, eles positivamente criaram a 'world music' para quarteto de cordas! Momento menos feliz da noite foi o 'Prelúdio' do 'Tristão' wagneriano: e, no entanto, começou tão bem! Mas o Kronos cometeu um erro capital: não respeitou os silêncios, nem, aliás, os suaves arcos dinâmicos. Houve momentos de alguma confusão e, no final, uma "prótese" indefensável (e lamentável) "coseu" o final do 'Prélúdio' ao final da ópera! Finalmente, o lado visual: desenho de luz muito bem cuidado; plateia em penumbra completa. Refrescante, sim, a interação verbal de Harrington com o público (e também de Amélia). A amplificação pareceu-nos às vezes um tanto desequilibrada, pela forma como favorecia certas frequências em detrimento de outras, com reflexos na audibilidade relativa dos instrumentos e destes com os sons pré-gravados. E por exemplo: porque manter a amplificação no prelúdio do 'Tristão'?