30 anos do golo de Vata. As recordações de Paneira e Pacheco. E a azia dos franceses

Vítor Paneira admite que logo na altura ficou com a sensação de que o golo tinha sido apontado com a mão. Já Pacheco recorda que só "muito mais tarde" se apercebeu disso.
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Se na altura existisse vídeoárbitro, provavelmente o golo de Vata contra o Marselha, naquela noite de 18 de abril de 1990, tinha sido anulado e impedido o Benfica de marcar presença na final da então Taça dos Campeões Europeus. O célebre jogo da segunda mão das meias-finais da prova da UEFA entre o Benfica treinado por Sven-Goran Eriksson e o super Marselha presidido pelo polémico Bernard Tapie faz agora 30 anos. Recordar este jogo disputado no Estádio da Luz passa obrigatoriamente pelo lance que aconteceu aos 82 minutos, a célebre mão de Vata que resultou no golo que abriu aos encarnados as portas da última final da Taça/Liga dos Campeões da sua história.

Vítor Paneira estava mesmo atrás de Vata na área do Marselha quando Valdo cobrou o canto que esteve na origem do golo do avançado angolano. E hoje, 30 anos depois, recorda ao DN como tudo se passou. "Eu fiquei logo na altura com a sensação de que o golo tinha sido apontado com a mão, porque estava mesmo atrás dele, eventualmente até podia ter sido eu a finalizar o lance. Mas aquilo foi tão rápido que fiquei com algumas dúvidas. Depois vi os jogadores do Marselha a reclamarem e até houve ali uns segundos em que pensei se poderia ou não ser anulado", conta. "A verdade é que o Vata nunca admitiu e ainda hoje garante que não foi com mão. Esporadicamente estivemos juntos anos depois e ele manteve sempre a sua", acrescentou.

O atual comentador da SportTV não esquece o ambiente naquela noite na velhinha Luz: "Arrisco-me a dizer que estavam mais de 120 mil pessoas nas bancadas. Quando o Vata marcou foi o delírio. Mas recordo-me que perto do fim do jogo o estádio todo ficou em silêncio, por causa de um livre perigoso do Papin. Felizmente atirou por cima. Naquele momento sentimos finalmente que íamos à final da Taça dos Campeões Europeus, que a vitória já não nos fugia."

Naquela noite de há 30 anos atrás, António Pacheco saltou do banco ao mesmo tempo que Vata. O Benfica precisava de um golo para apurar-se para a final e Eriksson, com a entrada dos dois jogadores, pretendia dar mais dinâmica ao ataque. E a dupla alteração surtiu efeito, pois o extremo português foi o autor da jogada que deu origem ao canto.

"Lembro-me que começou numa falta sobre o Veloso. Ele marcou rapidamente e passou-me a bola. Quando levantei a cabeça já tinha o Amoros [defesa direito do Marselha] em cima de mim. Fui feliz, fiz-lhe uma cueca como deve ser, meti a bola para a frente, mas quando ia centrar já tinha o Tigana e o Mozer à frente. Segurei a bola, vi que estava em desvantagem e atirei a bola de propósito contra o Tigana para ganhar o canto. Depois o Valdo apontou o pontapé de canto e o Vata marcou o golo", recorda o extremo esquerdo ao DN.

"Só fiquei a saber que tinha sido com a mão muito tempo depois. Eu estava na área, mas não consegui aperceber-me que tinha sido marcado com a mão. Só soube isso muito tempo depois. Muito pouca gente viu. Isso nem sequer foi falado por nós no final do jogo, até porque como deve calcular a excitação e o entusiasmo era muito. O Vata não disse nada a ninguém. Depois eram outros tempos, não havia imagens com repetições como deve de ser. Só muito mais tarde percebi que tinha sido com a mão, com a mão de um Deus negro", lembra.

Pacheco nunca mais teve contacto com Vata. A não ser uma ou outra mensagem trocada através das redes sociais. "Julgo que ele está para a Austrália ou na Nova Zelândia. Mandamos um abraço um ao outro muito de vez em quando", diz, confessando que de vez em quando ainda revê o lance de há 30 atrás: "O jogo inteiro já não tenho paciência, mas muitas vezes aparece o resumo do lance do golo nas redes sociais e sim, dou uma espreitadela."

Na edição do DN do dia 19 de abril, o triunfo foi assinalado num texto assinado pelo jornalista Bertolino de Carvalho com o seguinte título: "Vata deu a mão e palmatória ao Marselha depois de Eriksson exibir 'trunfo' a Gili".

"O 'Maradona Negro', alcunha que só as imagens da televisão explicam, depois de radiografarem o lance em que se assemelha, no feito, o benfiquista ao argentino que apontou no México um golo decisivo à seleção inglesa, saltou para os títulos dos jornais", podia ainda ler-se numa das muitas páginas dedicadas pelo DN ao jogo entre o Benfica e o Marselha.

A azia dos franceses

O árbitro do jogo, o belga Van Langenhove, admitiu que errou na decisão de não anular o golo, desculpando-se com o facto de ter muitos jogadores à sua frente e de não ter visto Vata a tocar a bola com a mão. Aliás, só depois de ter visto três repetições através da televisão ficou convencido do seu erro.

Quem nunca perdoou o árbitro foi Bernard Tapie, na altura presidente do Marselha, ele que por ironia do destino, anos mais tarde, viria a ser preso e condenado por manipulação de resultados. Em 2017, 27 anos depois do jogo com o Benfca, numa grande entrevista ao jornal francês L'Équipe, Tapie manteve a sua convicção. "Quando o Vata nos eliminou, marcando com a mão, fiquei absolutamente convencido de que o árbitro viu. Como o golo foi validado, não posso pensar noutra coisa que não em desonestidade, algo como um arranjinho por um punhado de notas, um presente, uma prostituta enviada ao seu quarto de hotel, ou qualquer das situações que estamos habituados a referir nestes casos."

Também o uruguaio Enzo Francescoli, uma das grandes figuras daquele Marselha onde jogavam também Mozer, Amoros, Papin, Chris Waddle, Tigana, Deschamps, entre outros, nunca mais esqueceu aquele golo do avançado angolano. "Foi um jogo especialmente azarado. Na primeira mão falhámos inúmeras oportunidades. Devíamos ter ganho por 4-1, mas fomos à Luz com uma vantagem mínima (2-1) e o Vata crucificou-nos, ao marcar com a mão perto do final. Foi o momento de maior impotência, não só da minha carreira, como de toda a minha vida", recorda recentemente numa entrevista.

A 23 de maio de 1990, o Benfica chegou à final da Taça dos Campeões Europeus. No Estádio Prater, em Viena, na Áustria, Vata ainda entrou em campo aos 76 minutos. Mas foi impotente para dar a volta ao marcador. Um golo de Frank Rijkaard, aos 68 minutos, sentenciou o jogo a favor do poderoso AC Milan treinador por Arrigo Sacchi. Foi a última final da Taça/Liga dos Campeões do Benfica.

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