250 famílias com 25 milhões no banco recebiam RSI

Subsídio. Governo apertou regras e deixou de atribuir apoio a quem tivesse uma conta bancária superior a cem mil euros. Em dois anos, 87 442 pessoas perderam direito aos 178,15 euros.
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Tem sido uma cruzada desde que o atual Governo tomou posse: apanhar os alegados "parasitas" sociais que recebiam rendimento social de inserção (RSI) e não precisavam. Só nos últimos dois anos, 87 452 pessoas deixaram de receber esta prestação social. Entre elas estarão 250 famílias que, no total, tinham pelo menos 25 milhões de euros no banco.

Até 2011, as regras de atribuição do RSI eram omissas quanto à existência de uma conta bancária, fosse ela pequena ou choruda. O gabinete de Pedro Mota Soares mudou, então, a legislação, de forma a limitar o acesso a este subsídio - destinado a pessoas que se "encontrem em situação de grave carência económica"- a agregados familiares com conta bancária superior a cem mil euros. Com esta mudança, houve 250 famílias que ficaram impedidas de pedir RSI.

O cerco voltou a apertar em 2012, com o montante máximo do dinheiro no banco a ficar nos 25 mil euros. E nessa altura quantas terão perdido o subsídio? Isso, o Governo já não sabe dizer. Talvez porque, paralelamente, entraram outras medidas em vigor, como a renovação anual e a obrigatoriedade de inscrição no centro de emprego .

Só em 2013, mais de 60 mil pessoas perderam o RSI, mas o Governo só tem o rasto de duas mil. Quanto às outras 58 mil - que não renovaram o contrato de inserção -, o Executivo limita-se a sugerir que "não quiseram cumprir as novas regras".

Em rigor, o Governo tem registo do motivo que levou 2248 pessoas a perder o RSI em 2013 por força do último decreto legislativo que definiu regras de acesso à prestação (DL 133/2012, de 27 de junho). Desde logo, 130 perderam direito à prestação porque foram presas. Outras 993 ficaram sem RSI por "recusa de uma ação do contrato de inserção". Por fim, 1118 por "incumprimento do contrato de inserção". O Executivo só tem as motivações de quem cessa o requerimento. E em 2013 - de acordo com a presidente do Instituto da Segurança Social, Mariana Ribeiro Ferreira -"o principal motivo de cessação do requerimento foi por alterações dos rendimentos ou da composição do agregado familiar." E os restantes 58 mil? Sobre esses o Governo não tem dados concretos, pois, ao não renovarem, a Segurança Social não tem registo das motivações do abandono da prestação.

Ainda assim, o ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, Pedro Mota Soares, não tem dúvida de que "muitos saíram porque não se quiseram inscrever nos centros de emprego". Mota Soares garante que apenas se "verificou que todo o universo, ou uma parte do universo, não cumpria uma parte das condições de acesso, que não têm só a ver com o conjunto da suas condições de recursos, mas com questões como a disponibilidade para procurar ativamente trabalho, para assinar um contrato de inserção ou para fazer atividades que sejam úteis à comunidade." Ou seja: o Governo não tem ideia se as pessoas saíram por terem 25 mil euros no banco ou porque acham que trabalho comunitário é pouco digno.

O DN questionou igualmente o Instituto da Segurança Social sobre o número de beneficiários que perderam o acesso ao RSI por terem mais de 25 mil euros numa conta bancária. A presidente Mariana Ribeiro Ferreira apenas disse que "mais importante do que o número de pessoas que perderam RSI por terem em conta bancária valores superiores a 25 mil ou a cem mil euros, é a questão de princípio que está na base da alteração legal. Trata-se, antes de mais, de clarificar que alguém que tenha cem mil euros depositados numa conta bancária não está em situação de grave carência económica e risco de exclusão social."

A alteração das regras ao RSI levou o Governo a poupar 99, 2 milhões de euros na atribuição desta prestação (passou de 414,3 milhões em 2011 para 315,1 milhões em 2013). Para Mota Soares, estas modificações acabaram por "separar o trigo do joio", fazendo que neste momento só receba RSI "quem realmente precisa". Lembrou ainda que estas poupanças permitiram até "aumentar as pensões mínimas de velhice da Segurança Social".

Subsídio da "preguiça" ou dignidade?

O atual vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, chegou a apelidar, em 2009, o RSI de "financiamento à preguiça". O atual ministro Pedro Mota Soares (da mesma cor política) diz que agora já consegue "separar o trigo do joio". Haverá, afinal, mais trigo ou mais joio?

Esses estudos não estão feitos, até porque este Governo extinguiu a Comissão Nacional do Rendimento Social de Inserção, que congregou estatísticas sobre os beneficiários entre 2003 e 2011. A sua missão foi transferida para o Conselho Nacional para as Políticas de Solidariedade, Voluntariado, Família, Reabilitação e Segurança Social, que ainda não a cumpre.

O presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca, avisa que "o aproveitamento político que se fez à volta do RSI em desfavor dos seus beneficiários - ao que se juntou um certo desconhecimento popular - levou a reduções no acesso a essa medida, o que fez que pessoas voltassem a cair em situação de pobreza extrema". Eugénio Fonseca lembra que a ideia de que os beneficiários de RSI "não querem trabalhar" caiu por terra quando se percebeu que "mais de 20% dos 17,9% no limiar de pobreza eram trabalhadores precários ou por conta de outrem".

Na mesma linha, o ex-ministro do Trabalho e da Solidariedade Social José Vieira da Silva diz que "muitas vezes as irregularidades detetadas no RSI eram de uma pessoa que tinha acesso a essa prestação se tivesse menos de 180 euros mensal e tinha 210. Não deixa de ser uma irregularidade, mas são pessoas cujo o nível de pobreza não se distingue muito das que têm direito à prestação." Por outro lado, como os valores (178,15 euros) "são relativamente baixos, o risco de subsidiodependência é menor do que em outros países". Para o ex-ministro socialista, "todo o dinheiro que gastamos no apoio a essas pessoas vamos recuperá-lo quando as afastamos de situações de criminalidade ou de exclusão que levem a situações deste tipo."

Vieira da Silva diz ser "estranho" que muitas vezes "uma sociedade esteja mais disponível para custear a manutenção de uma população prisional a preços mais altos daqueles com que está disponível a ajudar os seus mais desfavorecidos".

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